O Rei(s) vai nu
Os jornais trazem a notícia da punição de um cabo de Marinha o Luís Reis por ter declarado publicamente que a Armada teria convocado exercícios navais para o dia em que estava prevista a manifestação dos militares, contestando as medidas governativas, facto, obviamente, falso segundo todos os órgãos responsáveis por aquele Ramo das Forças Armadas. E digo obviamente, porque, mesmo que fosse verdade, passava a não ser, por falta de possibilidades de o cabo Reis demonstrar o contrário. É exactamente como as contas telefónicas astronómicas, que nos aparecem em casa, de chamadas que nós não fizemos. Temos de pagar, visto o elemento de prova estar na companhia fornecedora do serviço. O capitão Dreyfus não foi condenado a prisão por espionagem quando, efectivamente, era inocente?
O Regulamento de Disciplina Militar (R.D.M.) é um código ético de conduta e, em termos de ética, a fluidez é extraordinária por falta de objectividade. O cabo Reis infringiu um qualquer dever de um qualquer artigo desse código de conduta. Porquê? Disse uma mentira. Uma mentira que podia (pode, pôde) ter influenciado a opinião pública! Realmente o que falta é a existência de códigos éticos, postos em execução por decretos governamentais, para permitirem a punição de todos os «Pinóquios» desta nossa sociedade civil!
O cabo Reis, homem com 40 anos de idade dos quais, se calhar, metade passados ao serviço da Armada disse uma mentira. Uma mentira menor à qual os Senhores almirantes decidiram dar grande importância, mais para servir de «medida exemplar» do que pelo facto de uma afirmação feita por um cabo afectar o bom nome do Estado-Maior da nossa marinha de guerra.
Sejamos verdadeiros. Desde quando o que diz um cabo na praça pública, nos órgãos de comunicação social, tem importância para os grandes decisores militares? Importante é a «exemplaridade» da punição que visa atemorizar todos os outros cabos Reis dependentes de um magro pré que recebem no final do mês e lhes garante uma super magra pensão quando forem velhos e já não servirem para nada. Bom, para nada não é bem assim! Servirão para guardas-nocturnos de edificações em construção, por exemplo, como acontece a muitos antigos praças calejados no desconforto de um serviço militar mal remunerado e com uma família já habituada às suas ausências do lar.
Sejamos verdadeiros. O que determina a punição não são as afirmações de um cabo, seja ele Reis ou Príncipe. Assusta é o movimento associativo capaz de pôr em causa uma série de pressupostos bem escorados na tradição do «comer e calar».
Sejamos verdadeiros. O que impõe a punição do cabo Reis é a necessidade de dar satisfação ao senhor ministro Luís Amado, provando que, afinal, os comandos superiores das Forças Armadas continuam a «ter na mão» os seus homens. Mostrar a exemplaridade e de como se jugulam as «rebeliões».
Esquecem-se os chefes militares que, mais tarde ou mais cedo, estarão na reserva e na reforma como eu já estou , passando por um processo de «elemento descartável», sem poder nem honrarias vou ter as que o Regulamento prevê para o meu, o nosso, posto, à porta do cemitério quando for deitado dentro daquela «caixa» de madeira que espera por todos os Homens no qual as pessoas, por mera educação, ainda nos tratam com deferência, chamando-nos «senhor coronel», «senhor general», «senhor comandante», «senhor almirante». Mas é só mera deferência, porque eles, os políticos, sabem que, nessa situação, já só somos um número para a Caixa Geral de Aposentações onde, se se formar fila junto ao guichet dos pagamentos, à nossa frente pode estar um cabo reformado e atrás de nós um general ou uma contínua de qualquer escola deste país.
É esta a vã glória de ser chefe militar, em Portugal! Não se iludam, meus caros camaradas mais modernos e na situação de activo, a reserva e a reforma inexoravelmente esperam por vós!