Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

17.03.13

A ver se nos entendemos


Luís Alves de Fraga

 

O Portugal do tempo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva tinha uma dimensão bem diferente do do tempo do Primeiro-Ministro Sócrates. É necessário perceber esta realidade para perceber o “buraco” em que todos nós – os mais velhos – caímos. Se se quiser ir mais atrás, podemos chegar ao tempo do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, o tempo das nacionalizações, ou seja, 1975.

Entre o Portugal de Cavaco Silva e o de Sócrates decorreram vinte anos (1985-2005) e haviam decorrido dez entre o de Vasco Gonçalves de o de Cavaco Silva (1975-1985).

Se formos capazes de olhar bem para trás, percebemos que foram “países diferentes” que foram governados por homens diferentes. Diferente é, também, o Portugal de 2013.

 

O Portugal entre Vasco Gonçalves e Cavaco Silva era um país em busca de um rumo, desconchavado por causa de uma descolonização, de uma quebra de relações comerciais com os mercados ultramarinos, de um “regresso” à Península Ibérica sem destino bem definido, vivendo aos “apalpões”, sem certezas e fazendo experiências sobre a democracia. Era um Portugal “quase igual” ao do tempo do fascismo, mas “diferente”, porque queria ser democrático sem saber o que era a democracia, para além de possuir uma vaga noção de que democracia era o uso da liberdade com toda a carga de exigências que ela permitia. Era um Portugal ainda preso ao campo, às pescas, à Igreja, à emigração, ao pequeno comércio, a uma televisão com dois canais, a uma pequena burguesia que se queria afirmar como motor da mudança – pois recusou o modelo socialista que o gonçalvismo havia deixado entrever –, a um modelo escolar e sanitário mal definido, a um regime salarial “amarrado” à tradição fascista, a um crédito bancário difícil e caro, a uma inflação quase descontrolada, enfim, era um Portugal de esperanças e de fracas realizações materiais, que atravessou duas crises financeiras e económicas fruto das desarticulações que a modificação de regime haviam provocado.

 

O Portugal entre Cavaco Silva e José Sócrates foi um país de profundas mudanças feitas sem visão estratégica, isto é, sem capacidade para vislumbrar cenários diferentes em resultado de variações conjunturais. Foi um Portugal que, em função dos dinheiros europeus, cresceu ao deus dará e se desmanchou por completo. Foi um Portugal que fugiu do campo e veio para as cidades do litoral, que se não industrializou na medida proporcional dos auxílios recebidos da Europa, mas que se estruturou como se fosse um país rico e produtivo: a escolaridade cresceu a uma velocidade espantosa, mas não se estabeleceram os caminhos certos para serem percorridos pelos novos quadros formados nos institutos politécnicos e nas universidades, que pulularam como verdadeira praga por todos os distritos do território, as auto-estradas fizeram-se onde faziam falta e onde não eram necessárias, o caminho-de-ferro estiolou e reduziram-se as vias que serviam o interior agora deserto, as fortunas pessoais afirmaram-se pelos bens de luxo adquiridos e muito pouco pelo investimento de garantida produtividade, a rede sanitária cresceu sem se ter em conta a moderna mobilidade das populações e os novos acessos aos centros urbanos mais habitados, os municípios apostaram na modernidade das infra-estruturas oferecidas aos munícipes, mas tudo feito à custa de crédito, multiplicaram-se as oportunidades de emprego em organismos estatais ou dependentes do orçamento do Estado, inventaram-se redes de institutos e de fundações para tudo e para nada, paralisaram-se indústrias fundamentais e criaram-se outras altamente dependentes das variações conjunturais estrangeiras, subiram-se salários muito para além de toda a forma de conseguir receitas, aceitaram-se imposições da Europa sem as discutir e analisar convenientemente, aderiu-se à moeda única sem olhar aos condicionalismos estruturantes que tal iria obrigar, aceitou-se o disparo da inflação associada à adesão ao euro, facilitou-se a construção de bairros de habitação em terrenos agrícolas nas áreas circundantes das grandes cidades e facilitou-se o crédito para compra de habitação, enfim, gerou-se um país ilusório com base em miragens mal definidas e resultantes de certezas absolutamente incertas.

 

A crise europeia veio colocar a nu uma verdade: a economia no mundo, depois da queda do muro de Berlim e do desaparecimento do risco de guerra entre os blocos ocidental e oriental, deixou de ter como alvo a satisfação das necessidades dos compradores, para passar a olhar somente para o crescente engrandecimento financeiro dos senhores do dinheiro. O capitalismo, já de si anónimo, internacionalizou-se e gerou um exército de tecnocratas que acabou controlando o mercado, beneficiando de altos salários e proporcionando lucros obscenos aos accionistas, que o escolheu para gerir os seus investimentos. Apurou-se ao extremo o sentido da frase “exploração do homem pelo homem”, através de fazer de gente comum gente engajada pelo capitalista anónimo, cinzento e impiedoso que se esconde atrás das paredes dos seus castelos construídos fora das vistas das vítimas. Esses tecnocratas são os Gaspares, os Borges, os Catrogas e outros quejandos que nasceram em famílias remediadas e puseram os seus conhecimentos ao serviço dos grandes interesses financeiros do mundo. É gente que entregou a alma ao diabo.

 

Perante este quadro, não vislumbro quem seja capaz de corrigir de forma saudável as distorções que se fizeram em Portugal. Este Governo está a desmontar todo o edifício que ainda é possível deitar abaixo, mas sem um projecto de reconstrução. Está a deitar abaixo para continuar a servir os interesses do capital e não a reestruturação do país; está a empurrar com a barriga para a frente, para a geração que há-de vir, toda a carga de problemas que surgirão depois do aparelho do Estado estar completamente derrocado. Há-de surgir um país novo e um novo Estado, mas isso aparecerá dos escombros deste que ainda existe. E não será já um Estado cheio de patriotismo; será um Estado feito à medida da vontade dos grandes interesses do capital para fornecer escravos devidamente amestrados, que aceitarão todas as condições que os “mercados” lhes impuserem.

Portugal, dentro de vinte anos, vai estar tão diferente do que hoje é, como hoje ainda é diferente do Portugal do início da governação de Cavaco Silva, em 1985. Vai ser diferente, mas pior, muito pior, do Portugal miserável herdado por Vasco Gonçalves em 1975.