1 de Abril de 1973
Foi, também, sábado e, por volta das dezassete horas, estava eu e a família preparados para embarcar no Boeing da Força Aérea rumo a Moçambique, com escala por Luanda. Ia cumprir a minha segunda comissão militar em África. Desta vez calhara-me ficar no Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 31, na cidade da Beira.
A viagem foi cheia de peripécias, que já aqui contei. Contudo, o que não me canso de referir é que eu tinha a plena consciência e certeza de que aquela seria a minha última comissão de serviço nas colónias! Última, porque se tinha de caminhar rapidamente para o processo de solução da guerra nas três frentes... e a da Guiné estava a colapsar a grande velocidade.
Um ano depois, deu-se a revolta em Lisboa e o fascismo com a sua política de isolacionismo acabou. Mas, ao acabar daquela forma, não dava alternativa a negociações cautelosas para se alcançar "boas" independências! Essas negociações, para terem sido feitas com ponderação e segurança para os portugueses que viviam nas colónias, deviam ter tido lugar durante a ditadura... Nunca em clima eufórico de liberdade e democracia! É isto que não se tem dito! A culpa nem foi dos militares, nem do MFA, nem dos governos democráticos; a culpa foi, mais uma vez, do Estado fascista, pois tinha todas as condições para negociar sem empecilhos e não o fez nem admitiu. Era contra contra Salazar e Caetano que os “retornados” teriam de se revoltar... Revoltaram-se contra quem não tinha mais nenhuma alternativa.
Eu assisti, até ao fim, o que foi a "paz" em Moçambique e o que foi a debandada dos europeus. Samora Machel, diga-se, em abono da verdade, quanto mais avançava de Norte para Sul, mais inflamava os ódios e o sentimento de insegurança. A euforia da vitória - porque ele foi um vitorioso - "subiu-lhe à cabeça" e tornou-o pouco cauteloso. Joaquim Chissano era o contra-ponto de Machel. O que aquele tinha de cauteloso e ponderado tinha este de exaltado e intransigente.
Regressei a Portugal semanas antes da independência. Estiva até ao limite do possível a acompanhar o nascimento de um novo Estado e a acabar o ciclo que o meu Avô tinha começado, no século XIX, com a participação nas campanhas de pacificação. Em Lisboa, foi o choque de um país a reivindicar sem tom nem som, sem cultura democrática e sem rumo. E tudo isto conduzido por gente - políticos - que de governação não tinham qualquer experiência. E tudo isto envolvido no medo atávico do marxismo, do comunismo. Tudo isto feito sem se perceber a diferença entre a extrema-esquerda e a esquerda cautelosa. Mil novecentos e setenta e cinco, na segunda metade, foi o tempo de todos os medos, o tempo de todas revoluções, de todos os sonhos. Foi o tempo de todas as confusões, mas também o tempo de todos os oportunismos.
Há quarenta e quatro anos eu sabia que era a última vez que ia em comissão militar para África, mas não calculava a dimensão de tudo o que aconteceu depois...
Felizmente, aconteceu...