Termas, um local democrático
Durante sete anos fui frequentador assíduo — em certas circunstâncias, duas vezes na mesma época — das termas de Caldelas.
A vila, erguida a essa categoria por obra e graça do Espírito Santo, pois não passa de um lugarejo, na rua/estrada principal, tinha pensões de um lado e do outro quase em todos os prédios. Pensões para todos os preços e para todos os gostos. Ali, os doentes dos intestinos, procuram alívios para os seus males, bebendo as águas e tomando banhos e clisteres.
Fui por recomendação médica — médico da especialidade — no recuado ano de 2000, o primeiro do século e do milénio, e por lá andei. Conhecia muito mal o Minho e a sua gente. Pela Internet escolhi uma pensão, por, dizia o anúncio, ser a maior. Era, realmente, a maior em número de quartos, mas também em simpatia de proprietários e pessoal. No segundo, ano o quarto já não era “o quarto”, mas “o meu quarto”. E lá se punha a pequena mesa, tipo secretária, para eu poder escrever e trabalhar. E havia os “mimos” alimentares da época: se era tempo ainda de cerejas, coziam-se com açúcar, para meu deleite.
Se tudo tinha um tipicismo a que não estava habituado, o mais curioso era o largo onde se bebiam as águas. Era o mais democrático de todos os locais da localidade — talvez a igreja o fosse, também, mas, como não vou a missas, disso não posso dar testemunho —, porque havia gente de todas as condições: desde o professor universitário ao pequeno e pobre proprietário agrícola do Norte; desde quem era culto e lia livros eruditos até quem se pegava de conversa fiada com o companheiro mais próximo do banco onde estava sentado; desde o velhote com dificuldades de locomoção até ao jovem desempenado, mas com intestinos revoltos.
Os dias passavam lentos, quase iguais, embora eu fosse, entre as refeições, depois dos tratamentos, dar uma volta pelos arredores: Braga, Vila Verde, Terras do Bouro, S. Bento da Porta Aberta, Amares, Guimarães, Ponte de Lima e o mais que se podia ver e parar. Mas Braga fazia os meus encantos! No “centro” da cidade, para além de alguns “cafés”, onde me sentava a gozar da simples vista das pessoas a passar, a quantidade de lojas e o seu fulgurante comércio eram um atractivo para quem gosta de andar lentamente a cuscar montras. E uma livraria, com jardim, inimaginável numa cidade de província! Perdia horas a olhar e a consultar livros.
Depois de ter gozado, muitos anos seguidos, as exaustivas férias de praia, chega-se a uma idade que apetece a tranquilidade do campo e dos passeios de carro, descobrindo recantos sempre novos! Tão novos que deu para descobrir, à beira da estrada, num larguinho minúsculo, o busto do António Variações! A terra dele não o esqueceu. E sabeis que era de Caldelas o famoso Chefe Silva, que tantos e saborosos pratos ensinou nos programas de culinária, na televisão, há muitos anos?
Nunca me entediei de ou em Caldelas, mas havia quem achasse excessiva aquela “democracia” de doentes intestinais parolos e demasiado “populares”! Meus conhecidos foram lá uma vez e nunca mais voltaram. Eu tenho saudades…