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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

11.01.16

Saudades


Luís Alves de Fraga

 

Tenho saudades de um "outro" Portugal onde havia miséria, mas podia haver pão para todos se houvesse liberdade e responsabilidade democrática. É um Portugal de há muitos anos que, parece-me, já não forma gente como a de então.

É um Portugal que recordo em pedaços de memória dispersos nos tempos.

 

Aos seis anos fui com o meu Pai, sozinhos, conhecer as minhas origens mais distantes, na distante freguesia da Fajã Grande, o povoado mais ocidental de toda a Europa, onde tinha os meus Avós, os meus Tios, os meus Primos paternos. E vi como se mugia uma vaca, como o meu Avô fazia, dos grãos de cereal, farinha, nas duas azenhas da Ribeira das Casas, como se carregavam grandes fardos de feno para alimentar o gado. E como quase todos, novos, de meia-idade, às vezes já velhos, andavam descalços. E soube que a ilha se atravessava a pé para consultar o médico, em Santa Cruz, porque o grande curador, o enfermeiro, a parteira eram simples curiosos guiados, diziam, pela mão e vontade de Deus.

 

E aos dez anos fui conhecer a terra da minha Avó materna, nas faldas da serra da Estrela, em Paranhos da Beira. E vi como se regavam os feijoeiros, como se desfazia uma massaroca de milho na eira, nas noites quentes de Agosto, como se manejava o mangual, como se ia de cântaro a cabeça até à fonte e as mulheres lavavam os pés descalços na borda de pedra do tanque que recolhia a água da nascente na rocha. E dormi naquelas casas feitas com grandes pedras de granito, com loja por baixo, onde as ovelhas e cabras pernoitavam, e as escadas para subir eram por fora.

 

E aos doze anos comecei a, todos os verões, passar férias num "monte" alentejano, muito perto da raia, onde o calor é mais forte. Vi ceifeiros e ceifeiras a alugar braços de trabalho por pouco mais do que eu, já mais espigado, gastava para beber uma "bica", num "café" de Lisboa. E vi gente tisnada do sol, com o talego na mão, perguntar no mercado da aldeia, quanto custava uma pouca de fressura para fazer um caldo... e ir-se sem avio, por falta dos tostões necessários para o bocado de fígado, baço ou pâncreas ali exposto para venda, porque a carne, a boa carne, era só para os que pagavam mal a quem lhes dava o rendimento para terem à mesa o ensopado de borrego.

 

Este Portugal morreu. Felizmente morreu, mas sem se renovar. Hoje o que se compra no supermercado não vem já destas aldeias, destas terras. Vem de outras onde se soube continuar a produzir sem vergonha de viver da terra. Os das nossas aldeias fugiram para as cidades e os campos perderam o vicejo de então. Fugiram, e Portugal está mais pobre, parecendo mais rico. Lavrar a terra, em Portugal, passou a ser vergonha por mera vingança sobre a miséria. Sachar, mondar, debulhar são lembranças de quem, por ter nascido na cidade, andou de visita por esse Portugal distante no tempo e nos trabalhos. E Portugal perdeu-se quando se achou. Não soube dizer não à exploração e sim ao trabalho livre. A lavoura tradicional tornou-se muito cara e nós empobrecemo-nos.

Tenho saudades de um Portugal telúrico, pobre e rico de potencialidades que o tempo esmagou para sempre.

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