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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

23.04.08

Falta cumprir Abril!


Luís Alves de Fraga

 
Passam, em breve, 34 anos sobre o dia 25 de Abril, o dia da alvorada nacional, e os mais conscientes de nós, mas, também, os mais velhos, sentimos que o ideal do Programa do Movimento das Forças Armadas, aquilo que de mais profundo estava gravado nas entrelinhas do texto dado a conhecer aos Portugueses, ainda não se cumpriu.
 
Se tomarmos os três D como base para esta análise — os D que são, afinal, a essência do Programa do MFA — vemos que deles só as aparências mais evidentes se concretizaram.
 
Descolonizámos. É certo. Mas descolonizámo-nos? Demos a independência às colónias pela qual elas lutaram e o Estado Novo nos impôs uma guerra de 13 anos — 13 anos de muito sofrimento de parte a parte — mas descolonizar é dar a independência a um território? Ou será que é preciso nós descolonizamo-nos, isto é, ganharmos a nossa própria autonomia, a confiança em nós mesmos, nas nossas capacidades? Será que depois das independências deixámos de nos sentir órfãos? Será que soubemos olhar a Europa e o mundo como senhores dos nossos destinos? Será que conseguimos conquistar o nosso lugar na Península e na Europa depois de termos passado 500 anos virados para fora, para África, para o Oriente, para o Brasil? Será que soubemos regressar à dimensão que tínhamos em 1415, antes da conquista de Ceuta?
Não acredito que nos tenhamos descolonizado! Temos estado nestes trinta e poucos anos amarrados à cicatriz de um passado, à cicatriz de uma amputação. Só assim se explica que, depois da adesão à Comunidade Europeia, depois de se terem derramado rios de ouro sobre nós, tenhamos continuado na cauda dos países desenvolvidos. Esse ouro, julgámos, no nosso inconsciente colectivo, tinha sido outra grande mina que havíamos descoberto como as do Brasil. Esbanjámo-lo na esperança de encontrar outra mina numa outra colónia! Não o soubemos utilizar como a última oportunidade. Éramos ainda a metrópole que se podia dar ao luxo de malbaratar a riqueza, deixando que todos dela tivessem um quinhão improdutivo. Não nos ficou um aqueduto de águas livres nem um mosteiro de Mafra, mas restaram-nos as auto-estradas, uma ponte, um centro cultural e pouco mais, muito pouco mais. Os nossos governantes comportaram-se como um outro D. João V, magnanimamente distribuindo ouro a quem o quisesse agarrar. Portugal continuou pobre! Essa é a prova de que não soubemos descolonizarmo-nos!
Aqui, Abril não se cumpriu!
 
O segundo D — o de Desenvolver — transcorre, em parte, da Descolonização.
Realmente, olhamos agora à nossa volta e podemos perguntar-nos o que fizemos para nos desenvolver. Nada! Deixámos o tempo passar e que o natural progresso por ele trazido chegasse até nós. Somente isso.
Não soubemos e não quisemos gerar riqueza. Ninguém nos impulsionou para a frente — nem nós mesmos o fizemos — de forma a, como país, encontrarmos uma vocação económica, ainda que tardia, na Europa. Somos consumidores e pouco ou nada produtores. A nossa balança comercial não indica uma só especialização através da qual superemos os restantes Estados da União.
De momento, o único desenvolvimento que sabemos ter é o do desemprego, o do espectro da fome e da miséria a curto prazo. Enquanto poucos enriquecem desmesuradamente muitos Portugueses empobrecem assustadoramente.
E o que nos prometem os políticos que tomaram conta do aparelho do Estado? Mais «aperto de cinto» contra vagos sonhos de míseras saídas de uma crise que se arrasta há tempo excessivo.
Em 34 anos teríamos tido oportunidades óptimas para darmos vários saltos em frente, para nos colocarmos ao nível dos países médios da Europa. Não o fizemos, porque negociámos mal a adesão à Comunidade; não soubemos ou não quisemos defender o fraco tecido produtivo que tínhamos; não defendemos os nossos têxteis, a nossa débil frota pesqueira, a nossa cortiça, a nossa vinha, o nosso azeite. Uma única indústria soubemos manter de pé: a da construção civil… A mais pobre de todas em mão-de-obra técnica e em tecnologia; aquela que contribui para o nível de emprego dos imigrantes, dando-nos a sensação de sermos um país desenvolvido. E vai continuar a ilusão desenvolvimentista à custa de mais obras públicas, ou seja, de mais construção civil!
De novo, Abril não se cumpriu!
 
O terceiro D — o de Democracia — apresenta as mais significativas contradições.
É certo que foi derrubada a ditadura, acabou a censura, a polícia política, que existem partidos políticos, um parlamento, eleições livres… Mas chegará isto para dizer que existe uma democracia em Portugal? Será suficiente?
Não, meus amigos! Tudo isso são manifestações exteriores de democracia; falta o mais importante. Falta que as mentalidades se tenham transformado; falta que a liberdade não seja libertinagem; falta que a ordem democrática não seja a «lei da rolha»; que todos saibamos conviver com a livre crítica, com a liberdade dos outros, respeitando-a e admirando-a. Falta o sentido de civismo, a educação, a cautela e a delicadeza públicas. A democracia, infelizmente, porque mal apreendida, deu largas à boçalidade de um povo que esteve aperreado ora por uma Igreja sufocante ora por um Estado ditatorial. Ainda se fazem sentir, aqui e além, assomos da saudade da ditadura — o anteprojecto de Regulamento de Disciplina Militar, que anda por aí a circular, é a prova provada disto mesmo.
Falta a verdadeira compreensão da democracia, porque uma maioria absoluta que governa, comportando-se como se fosse uma ditadura, com arrogância e desprezo pelas oposições, não integrou o real sentido da liberdade. Uma maioria absoluta que, por razões economicistas, põe em causa o bom andamento do Serviço Nacional de Saúde, que decalca modelos estrangeiros de avaliação e de trabalho de professores, que reduz à condição de miséria pouco dourada as suas Forças Armadas, que descarta a assistência sanitária dos seus militares os quais fizeram a guerra e deram ao país a liberdade, uma maioria absoluta assim formada não honra a democracia que diz pretender servir.
E, uma vez mais, Abril não se cumpriu!
 
Falta abrir as portas que Abril abriu. Falta que saibamos crescer em riqueza, em liberdade, em civismo, em respeito. Falta que se estabeleça um verdadeiro programa de cidadania. Por isso, cabe-nos a nós, cidadãos anónimos, mas conscientes, abrir as portas que Abril abriu, usando a nossa voz, o nosso voto, a nossa revolta, a nossa união, para que o Povo unido jamais seja vencido.

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