17.05.07
Saudades do comunismo
Luís Alves de Fraga
Já disse uma vez, mas vou repetir: — Não sou comunista!
Creio que desta forma poderei, com grande isenção moral, cívica e política afirmar que tenho imensas saudades do comunismo. Mais propriamente dito, do tempo em que havia o chamado Bloco de Leste, em que toda a gente tinha medo que a falecida URSS desencadeasse uma guerra na Europa Central, em que havia um muro a dividir Berlim, em que havia duas Alemanhas, em que o Papa e a Igreja Católica rezavam pela conversão da Rússia e tantas outras pequenas peripécias que já se me apagaram da memória.
Tenho saudades desse tempo a que os Americanos, e nós Europeus, chamámos Guerra-Fria.
E tenho saudades por razões muito simples.
Não havia globalização, embora se falasse de aldeia global; era frequente, natural e desejável que o Estado tivesse um papel activo e interventor na economia para evitar as crises cíclicas, assumindo-se como Estado-providência, ou seja, um Estado que zelava pelos interesses dos cidadãos, pelo seu bem-estar e, sobretudo, pela sua segurança; condenavam-se os muros que separavam os Estados; combatia-se o imenso poder das empresas multinacionais, impondo-lhes regras que evitavam que se tornassem Estados para além dos próprios Estados; temia-se a revolta dos proletários concentrados nos partidos comunistas ou nos partidos socialistas; receava-se o poder mobilizador dos sindicatos; vigiava-se, atentamente, a movimentação de todos os grupos políticos de extrema-esquerda; desenvolviam-se políticas que evitassem a popularidade dos partidos de esquerda; acautelava-se a proliferação da arma atómica, através de acordos entre as chamadas super potências — EUA e URSS.
Como se vê, coisas simples, mas que nos davam a garantia de um mundo francamente mais equilibrado. Equilibrado para os cidadãos trabalhadores e equilibrado para a segurança dos Estados.
Claro que não havia liberdade para os cidadãos do chamado Bloco de Leste! Mas é verdade que tinham habitação, sistemas de saúde mínimos, escolaridade para todos os jovens, pleno emprego com diferenças salariais muito pequenas, não precisavam de emigrar para ganhar o sustento.
É claro que, ao desaparecer o Bloco de Leste, a URSS, e os Estados satélites passou a haver liberdade para os cidadãos dessa parte da Terra, mas, também se implantaram as máfias, se desenvolveu o consumo de drogas, se ampliou a prostituição, se deixou de ter direito à assistência sanitária, a reforma, a emprego, a escolaridade gratuita. A miséria é hoje visível nos antigos Estados socialistas.
É claro que se fizeram fortunas rapidamente, quer no ex-Bloco de Leste quer um pouco por toda a parte, mas as pequenas grandes guerras aumentaram em número e duração, a miséria e o desemprego assumiram proporções nunca antes vistas, a assistência na saúde passou a ser descaradamente comercial, a fome ampliou-se até atingir parâmetros jamais atingidos, os baixos salários são cada vez mais abundantes, o desemprego cresce exponencialmente, a proliferação de armas nucleares deixou de ser controlada com eficácia, a exploração de mão-de-obra barata tornou-se uma constante.
E tudo isto, porquê?
Simplesmente, porque desapareceu o medo da revolução socialista, o medo do comunismo, o medo dos sindicatos, o medo das greves. Os trabalhadores assumem que mais vale pouco do que nada e que, afinal, o homem sempre foi o lobo do homem… Que se dane o vizinho e a sua família, o meu irmão, os meus parentes, os meus amigos; importante é que eu sobreviva!
Afinal, tenho saudades do comunismo, porque faz uma imensa falta para regular um tempo e uma vida absolutamente dominados pelo máximo egoísmo!