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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

17.06.17

Uma Questão de Idade


Luís Alves de Fraga

 

Ontem, próximo da hora de me deitar (já bastante depois das duas da manhã), comecei a pensar num tema: Presidentes da República Portuguesa e cheguei à conclusão de que havia conhecido todos os Presidentes de Portugal com exclusão dos da 1.ª República. Para ter conhecido algum desses outros, com alguma consciência e recordação, só gente com noventa ou um pouco mais, anos de idade, excepção feita a Bernardino Machado, dada a sua enorme longevidade.

 

Com este pensamento, foi fácil concluir que estou avançado nos anos e, em exercício de memória, lá comecei a enumerar os nomes dos Presidentes:

 

Marechal Óscar Fragoso Carmona - morreu era eu um menino, com dez anos, mas recordo ter ido, com a minha Mãe e Avó, ao palácio de S. Bento, passar diante da urna aberta, numa última despedida ao Presidente (ao que me lembro, o cadáver foi mal embalsamado e começou a deitar cheiro antes do tempo previsto); o facto impressionou-me por causa da imensa multidão que esperava em longa fila pelo momento de entrar e simplesmente passar frente à câmara ardente. Foi, talvez, o momento em que o Povo se aproximou tanto do Presidente! Foi preciso ser cadáver…

 

Marechal Francisco Higino Craveiro Lopes - era já eu rapazola quando estive próximo dele em diversos momentos: aquando da chegada da sua deslocação a Londres, e, depois, em quatro anos seguidos (1954, 1955, 1956 e 1957), nas aberturas solenes dos anos lectivos no Instituto dos Pupilos do Exército; era um homem sisudo, aparentemente muito correcto, que causava boa impressão; nos últimos anos do seu mandato o que eu sentia é que era mais um a obedecer pacificamente à vontade de Salazar. Enganei-me. Terá, segundo bons testemunhos, patrocinado, com simpatia, uma tentativa de revolta contra a ditadura. Não era, de certeza, um democrata feito e acabado, mas terá sido alguém que compreendeu a necessidade de uma mudança política em Portugal.

 

Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomás - foi aquele que mais marcou a minha vida de fim de juventude e de chegada à idade adulta. Estive várias vezes bem perto dele. Aparentemente, um velho confuso, sem dom da palavra, dando a ideia de ser "um pau mandado", todavia, a verdade surgiu depois da "morte política" de Salazar, quando Marcelo Caetano foi Presidente do Conselho de Ministros: era, afinal, um ultra do regime, um intransigente e um tipo de vontade firme. Caiu com o 25 de Abril de 1974 e foi exilado para o Brasil, mas veio morrer a Portugal, mais concretamente em Cascais, treze anos depois do golpe que o derrubou. Não teve a dignidade de Marcelo Caetano, que recusou o regresso mesmo após a sua morte.

 

Marechal António Sebastião Ribeiro de Spínola - nunca me cruzei com tal figura a não ser na Academia Militar onde, nos anos de sessenta, foi pronunciar uma conferência para os cadetes sobre a guerra de guerrilha. O que é que me ficou na lembrança sobre ele? Pois, várias ideias: um falso democrata, por ser excessivamente "militar", habituado à hierarquia castrense, sem elasticidade política para o tempo em que se fez nomear Presidente da República. Não era o homem para o momento, nem do momento. Não podia ser. A carreira militar apontava-o como um possível "semi-ditador". Afastou-se, conspirou e veio a morrer após a estabilização da democracia.

 

Marechal Francisco da Costa Gomes - estive duas ou três vezes fisicamente muito próximo dele, trocámos meros cumprimentos formais. Foi, no curto mandato presidencial, o mais importante de todos os Chefes de Estado de Portugal, pois soube evitar, em tempos altamente conturbados, uma guerra civil, buscando, com cautela, consensos políticos entre todas as forças em presença. Soube valorizar a democracia e é absolutamente injusta a acusação de falta de definição perante as situações. Não foi o "Xico Rolha", que alguns, quase todos, lhe chamaram; foi o Homem capaz de encontrar a bissectriz das mais complexas situações revolucionárias que atravessaram Portugal. A História está em dívida com este Presidente, pois não o exalta como ele merece.

 

General António Ramalho Eanes - antes e enquanto Presidente nunca falámos, mas, depois de ter deixado funções públicas, troquei com ele algumas palavras formais. Foi o Presidente da transição democrática, aquele que pretendeu dar a maior impressão de isenção política, mas, no final do segundo mandato, caiu na tentação de se envolver com a formação de um partido sem base popular estável nem espaço de apoio possíveis. Dizem, todos os que lhe são próximos, que tem sentido de humor e boa disposição, contudo, nada disso transparece nas suas aparições públicas. Tem-se recolhido a um silêncio político só cortado nos apoios que dá a candidaturas eleitorais, mostrando nem sempre estar do lado das simpatias populares ou esperadas. Foi o último Chefe de Estado militar. Provavelmente, em democracia, não mais voltaremos a ter outro.

 

Mário Alberto Nobre Lopes Soares - conheci-o com alguma proximidade e falámos várias vezes, embora de assuntos triviais ou meramente sociais. Não foi, como agora se apregoa, o "pai da democracia portuguesa". Foi o político habilidoso e versátil que desviou a opinião pública nacional, num momento histórico e decisivo, para a votação no centro-esquerda. "Puxou" o Partido Socialista para a direita, quebrando-lhe qualquer esperança de vir a ser o "último salto" antes do Partido Comunista. Abriu as portas à negociação com a CEE, mesmo antes de ser Presidente e, no desempenho das funções para que se sujeitou ao voto popular, foi um indefectível europeísta. Procurou fazer uma magistratura de contacto com o país profundo, mas, na verdade, nunca conseguiu ir muito além do que determinava o protocolo.

 

Jorge Fernando Branco de Sampaio - nunca falei com ele. A sua presidência foi sobressaltada por um ou outro acontecimento político de monta, em especial quando tomou decisões na sequência do abandono da governação por parte de Durão Barroso. Sendo socialista, filiado no Partido, antes, na juventude, foi fundador de uma deriva socialista mais radical (Movimento de Esquerda Socialista). Fundou, também, um grupo de reflexão designado por Intervenção Socialista, em 1975. Embora integrado no Partido Socialista, julgo poder afirmar, a sua verdadeira postura política não se identificou, ao longo da vida, com a vertente meramente social-democrata daquele partido.

 

Aníbal Cavaco Silva - também nunca falei com ele. Foi o mais controverso dos Presidentes do período democrático, porque, tendo deixado, vinte anos antes, a governação de Portugal em situação dúbia, voltou, depois de uma longa "travessia do deserto político", a impor aos Portugueses a sua invulgar postura arrogante, distante, às vezes irónica no plano político, transportando para o cargo simpatias e apoios que deviam ficar longe do palácio de Belém. Foi, talvez, o menos isento dos Presidentes e o mais difícil de perceber depois de Américo Tomás.

 

Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa - conheço pessoalmente e mantive parco relacionamento social. É, sem sombra de dúvida, até ao presente, o mais popular dos Presidentes desde 1926, sendo comparável, em fama e "irrequietismo" ao Presidente Bernardino Machado. Tem procurado manter uma soberba equidistância entre a presidência e as suas simpatias partidárias.

 

E assim, acabo esta reflexão sobre a história biográfica dos Presidentes da República Portuguesa que conheci (eu e todos os portugueses da minha idade, um pouco mais velhos ou um pouco mais novos).

Vale a pena, às vezes, olhar para trás e perceber criticamente as pessoas com quem nos cruzámos, mesmo que muito à distância. Com esse olhar ressituamo-nos e podemos repensar-nos enquanto cidadãos.