O texto que se segue foi publicado na minha página do Facebook neste mesmo dia, mas em 2011. Tem já só valor histórico, mas achei que, mesmo assim, valia a pena republicá-lo aqui, agora já só para podermos comprovar como era acertada a antevisão tida.
O Natal está a acabar. Faltam pouco mais de três horas para a rotina de todos os dias voltar ao normal… ou quase. Quase, porque a semana que entra é a última deste ano de 2011. De hoje a sete dias já teremos entrado no fatídico 2012. Fatídico não por causa das histórias que correm um pouco por todo o lado, por causa do célebre calendário Maia que acaba no ano que vai começar, mas devido à carga de alterações financeiras que o Orçamento do Estado prevê.
A crise vai iniciar-se, efectivamente, no ainda próximo ano, em consequência das reduções das despesas do Estado e dos aumentos fiscais que se vão fazer sentir. Os bolsos de todos nós vão ficar mais vazios e o nosso poder aquisitivo vai reduzir-se drasticamente.
Salvo raras excepções, os economistas internacionais condenam em absoluto as prescrições dos técnicos do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional. Os pontos mais focados por todos eles giram à volta da impossibilidade de pagamento das dívidas soberanas e do empobrecimento a que estão condenadas as fracas economias dos Estados periféricos da União Europeia.
Para se perceber o absurdo da situação nada como reduzir a uma escala pequena o que se passa com os Estados. Vejamos, então.
Uma família está endividada e, para poder viver, tem de se socorrer de mais empréstimos para, por um lado, satisfazer ao défice entre o que ganha e o que gasta e, por outro, pagar os juros do capital que já foi pedido há mais tempo. Que soluções se podem colocar?
Por um lado, os credores obrigarem a família a comprimir as suas despesas, colocando em causa a sobrevivência da totalidade dos membros ou de uma parte deles, pois terão de deixar de adquirir bens essenciais, tais como vestuário, medicamentos e alimentos para limitar o consumo ao absolutamente restrito. Deste modo, a família pode baixar o nível dos empréstimos para sobreviver e conseguir algumas sobras que chegarão mal para pagar alguns juros. O futuro do agregado familiar passa a estar condicionado pelas necessidades e pelos baixos salários que auferir no mercado. Os seus membros venderão a força de trabalho por qualquer preço e em quaisquer circunstâncias. Os credores são, afinal, os donos dos seus destinos.
Outra solução, os credores reformularem a dívida, alongarem o seu pagamento no tempo e continuarem a emprestar dinheiro para que a família possa satisfazer as suas necessidades e ampliar as fontes e formas de aumentar os seus rendimentos.
Na primeira solução, impera a ganância financeira e o desejo de exploração até aos limites da exaustão familiar; na segunda, domina o desejo de manter o devedor com capacidade de liquidez de modo ao credor auferir lucros por tempo indeterminado. Em qualquer dos casos, o devedor está sempre sujeito à vontade do credor, contudo, na primeira situação este é um predador social e, na segunda, um ganancioso inteligente.
Se ampliarmos o exemplo para a dimensão de um Estado temos, de modo simples — naturalmente, redutor — o retrato dos comportamentos da banca perante a situação actual. Mais ainda, percebemos o papel nefasto das companhias de notação, pois actuam como claque junto dos credores para os incentivar na ganância do lucro, levando-os ao absurdo de imporem aos devedores taxas de juro incomportáveis. O efeito é devastador, assemelhando-se ao de um conflito armado. Realmente, na guerra todos os esforços financeiros e económicos viram-se para o apoio às forças combatentes, desprezando-se as consequências colaterais. Foi isso que aconteceu na Grande Guerra e na 2.ª Guerra Mundial: os vencedores acabaram com as suas economias tão destroçadas como os vencidos (excepção dos EUA que souberam, por um lado, afastar a guerra do seu território e, por outro, mantiveram altos padrões de emprego devido ao número de homens mobilizados para as frentes de combate, resultando daí uma economia interna florescente).
O Governo português, tal como o grego, ao aceitar as condições que a troika lhe impõe admite o efeito devastador da guerra no seu território. Toda a economia está a atrofiar-se tal qual como se estivéssemos a viver um conflito armado. O “inimigo” é o défice e, em nome dele pedem-se todos os sacrifícios aos Portugueses e aos Gregos (amanhã, aos Italianos e aos Espanhóis). Os mercados encolher-se-ão e, consequentemente o desemprego irá aumentar, mas os desempregados não vão ser incorporados nas Forças Armadas para combater, todavia vão “morrer” num “combate” que se não trava. Daí que o Primeiro-ministro e o Governo os “incorporem” no “exército” da emigração. Fora do país “morrem” para o mercado e para o Estado. Os que ficam são destroços humanos que terão de viver com “senhas de racionamento” fisicamente inexistentes, mas, na verdade, reais, porque não terão dinheiro para comprar os produtos que se vendem. E este panorama vai atingir todos nós! Não se pense que por ter hoje e agora um excelente emprego se vai, amanhã, conseguir mantê-lo… Todos os esforços vão canalizar-se para a “frente de batalha” onde se “combate” a dívida e o défice.
A desonestidade e inabilidade do partido e do Governo de Passos Coelho levaram Portugal a esta situação.
Desonestidade, porque agora, enche-se a boca a dizer que foi o Governo Sócrates quem negociou o acordo com a troika, omitindo que essa negociação foi imposta por força do PSD não ter aceite o PEC IV e ter conduzido o Governo de então a apresentar a demissão, gerando novas eleições; inabilidade, porque, ao invés de contraditar as imposições da troika, tentando negociar um amplo acordo com credores, levando os poderes centrais da União Europeia a subsidiar a economia nacional, aceitou o “combate” nos termos em que a alta finança o ditou, arrancando para a “frente de batalha” já vencido, já derrotado, já em situação de traição ao Povo português a quem vai exigir sacrifícios inúteis em nome de nada e de nenhum valor, por muito pequeno que ele seja.
O Governo está deslegitimado, porque incorre, em cada dia que passa, no crime de lesa-pátria, no crime de genocídio moral e económico de um Povo. Se é certo que todos os Governos de Portugal, desde o de Cavaco Silva até ao de Sócrates, deveriam responder em tribunal por crimes de má gestão, o Governo de Passos Coelho deveria, se tal fosse possível, responder no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, porque, fruto da sua conduta, está a lesar profundamente os direitos fundamentais dos Portugueses.