Voltem à Pátria
Vi, na Internet, uma notícia com a chancela da "Notícias ao Minuto" na qual se dá conta de que António Costa pediu aos emigrantes qualificados, os chamados "cérebros", para voltarem a Portugal, à Pátria.
Agora, quem está a fazer de todos nós parvos é o candidato socialista!
Voltarem para fazerem o quê e onde?
Vamos lá tentar perceber este "fenómeno" que parece afligir tanto os políticos como os eleitores.
Quais são (ou foram) as razões ou motivos para emigrar de Portugal?
Ou falta de emprego e consequente falta de rendimento, ou, raramente, razões religiosas, ou, em determinados contextos, razões políticas.
Deixemos as duas últimas de lado, por serem residuais, e fixemo-nos na primeira.
Desde 1415 que Portugal é "exportador" de gente, mas, para sermos mais precisos, desde 1498, depois da chegada de Vasco da Gama à Índia, a atracção pela emigração foi aumentando em crescendo (comprovação desta afirmação? Leia-se Gil Vicente).
E porquê terá sido assim?
Porque as actividades lucrativas ou mesmo de mera subsistência eram poucas no país. A "aventura" de ganhar a vida lá por fora constituía uma tentação para quem tinha mau passadio cá dentro (leia-se Fernão Mendes Pinto). E, depois do Oriente, no século XVI, veio, no seguinte, o Brasil como grande motivador da emigração, que se acentuou no século XVIII, com a descoberta de filões de ouro e pedras preciosas. No século XIX, a procura por terras de fixação para quem tinha dificuldades, continuou.
Mas vamos penetrar um pouco mais neste fenómeno, exactamente, no século XIX.
Quem é que emigrava? Os pobres, os ricos ou os fracamente remediados?
E temos aqui a primeira surpresa! Não eram nem os ricos nem os pobres! Eram os fracamente remediados. E por um único motivo: o ponto de fixação desta gente ficava no outro lado do Atlântico, nas Américas, e para lá chegar tinha de se pagar uma passagem de barco! Então, os emigrantes vendiam as poucas leiras que possuíam e faziam-se, geralmente com a família, ao mar; quando as não tinham para vender socorriam-se do crédito junto de quem emprestava (e não se empresta dinheiro a quem não oferece garantias de o pagar!) e, a breve trecho, depois de muito labutar, ganhavam "carta de alforria", após a liquidação da dívida. E tudo foi assim em Portugal até à ocorrência de dois fenómenos sociais quase concomitantes: o "boom" económico europeu após a criação do mercado único e a eclosão da guerra colonial.
Mas onde é que está a mudança, para se estabelecer a diferença?
A aceleração económica deu-se na Europa, facto que tornou imensamente mais barata e fácil a deslocação dos emigrantes e, assim, alterou-se qualitativamente o tipo de emigração, pois passaram a procurar a estranja os pobres e alguns remediados. A confirmação deste facto é visível no Alentejo: nunca antes os alentejanos emigraram para lado nenhum (coitados, vinham para o Barreiro, na esperança de encontrar trabalho na CUF) e passaram a fazê-lo para França, Luxemburgo e Alemanha, nos anos 60 do século XX.
A guerra colonial levou para Angola e Moçambique muitos jovens que, depois de cumprido o serviço militar, em face da promessa de uma vida melhor, função de horizontes mais largos do que os do seu rincão natal, resolveram fixar-se por lá. E não foi despiciendo esse segmento da emigração nacional (há quem não lhe chame emigração e prefira o termo migração por razões ideológicas, que não vêm agora ao caso).
Chegamos a 1975, ao tempo da democracia e ao tempo, também já chamado, do "regresso das caravelas", porque se descolonizou. Portugal teve de absorver os "retornados", que, em muitos casos e em muitas localidades, representaram "sangue novo" no empreendedorismo quase inexistente.
Como se vê, ao longo dos séculos, a "qualidade" dos emigrantes foi mudando de acordo com factores motivacionais, financeiros e geográficos.
A adesão à CEE conjugada com a democratização e a assunção da necessidade de elevar o nível educacional da população portuguesa e, ainda, a tendência para a gratuitidade do ensino, provocou dois tipos de fenómenos simultâneos: por um lado, o abandono gradual da agricultura e a consequente desertificação do interior do território nacional, e, por outro, a corrida ao ensino superior, função de novas perspectivas de emprego (professorado, saúde, assistência social, justiça, empresas, desenvolvimento infra-estrutural - rodovias, electrificação, congelação, construção civil, etc.) que geraram a ilusão de uma constante absorção de novos graduados num mercado de trabalho elástico.
É fácil de ver que a velocidade de formação de gente habilitada com cursos superiores é exponencialmente maior do que o abandono de postos de trabalho por se ter atingido o limite de idade útil. Assim, em duas dezenas de anos, após 1975, começou-se a notar o crescimento da oferta de gente licenciada para uma significativa redução de postos de trabalho qualificado. E esse sinal começou a ser dado exactamente na área do ensino, através de excedentes de docentes, depois sentiu-se na advocacia, na justiça e no notariado. Três décadas depois de 1975 foi a vez dos excessos nos domínios das engenharias tradicionais (civil, electrotécnica, química e mecânica). Entretanto, as universidades públicas, função de três factores — redução dos orçamentos dotados pelo Estado; aumento do número de estabelecimentos públicos politécnicos e aumento da concorrência privada — entraram na euforia da diversificação de cursos cujo mercado de absorção é constituído por pequenos nichos (várias variantes de gestão, variantes das ciências biológicas e do ambiente, enfermagem, fisioterapia, educação física, psiquiatria, publicidade, designer, jornalismo, farmácia, etc.), dando origem a expectativas de emprego que, de ante mão, percebia-se, esgotar-se-iam facilmente.
Houve um curso que, função da pressão da Ordem profissional, fugiu a este tipo de entusiasmo e que, por causa disso mesmo, é ainda deficitário na conjuntura nacional e sobre o qual pouco ou nada se fala em termos de emigração: medicina. Se alguma crítica há a fazer ela passa pelo exagero de contenção formativa.
Então, em função do panorama descrito, o superavit em gente qualificada academicamente teria de desembocar na emigração, gerando, mais uma vez, uma mudança qualitativa do tipo humano migrante em Portugal.
Julgo que terei explicado a razão deste novo padrão de emigrantes e, assim, a completa idiotia de convidar ao regresso a Portugal dos novos "aventureiros" do século XXI. A única coisa sensata que qualquer candidato a deputado poderia prometer sobre este assunto era a honesta tentativa de reequilibrar a formação de técnicos superiores, adequando-a ao mercado interno e às suas características ou, também como solução alternante, gerar no país a absorção dos excedentes, através da prática de uma política de planeamento educativo, sem nunca coarctar a iniciativa privada, mas regulando-a e regulamentando-a.
Já agora, e como mais uma achega ao candidato António Costa, dê emprego no PS e nos ministérios — se chegar a ser Primeiro-Ministro — a sociólogos suficientemente habilitados para lhe estudarem os problemas políticos e sociais de modo a legislar-se com prudência e um mais esclarecido conhecimento dos assuntos.