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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

28.02.15

Humanismo ou fundamentalismo religioso numa sociedade laica?


Luís Alves de Fraga

 

Não me vou perder em grandes divagações, mas trago-vos hoje uma interrogação que ninguém ma vai solucionar e que me coloquei há muitos anos: por que se há-de regular, e até condenar, o aborto ou, se se preferir, a interrupção voluntária da gravidez na Mulher?

 

Se a Lei se faz para regular a vida – e faço questão de frisar bem a palavra vida – em sociedade, punindo o que é aberrante e desviante na vivência social e, ao fazê-lo, concede direitos, em oposição à perda dos mesmos pela prática de crimes (sendo que crime é o que está definido na Lei como tal), qual a razão para condenar a prática do aborto sempre que ele for possível sem risco sanitário para a mulher grávida?

 

Dizem, alguns, que o nascituro – aquele que há-de nascer – tem direitos desde o acto da concepção! Dizem outros que os direitos só ganham existência quando surge a personalidade, e esta é sempre pós-natal.

 

Pois, para mim, o que se discute, quando se discute o aborto, não é uma questão social, mas religiosa! É a carga cultural, que a Igreja Católica lançou sobre o aborto, quem está na origem de todo este problema. É o problema da vida e da morte de uma alma que ainda não nasceu, mas, “aos olhos” do “divino” já existe! Dêem-se as voltas que se quiser, mas o problema da discussão começa e acaba no tal “sopro divino”, que se diz surgir no acto da concepção. E, então, “matá-lo” – ao ser em concepção – é matar o “direito divino” de ter “existência” o que só a tem após o nascimento (por que razão a religião judaico-cristã não estabeleceu o baptismo do ser em gestação e só o pratica após o nascimento?). Dito de outra maneira, o nascituro adquire condição jurídica quando um homem e uma mulher, consciente ou inconscientemente, de modo consentido ou não, concebem um futuro ser humano. E, neste caso, “aquilo” que ainda não é, passa a ter direitos previstos na Lei! A mesma Lei que retira direitos, por exemplo, aos alienados mentais, porque os considera inimputáveis!

 

Mas em que mundo se está a viver, depois de o Homem ter chegado à Lua e ter desvendado Marte e o “insondável” infinito astral? Que mundo é este onde a ideia e a moral religiosas se sobrepõem à razão pura? E admiramo-nos, escandalizamo-nos, com o fundamentalismo islâmico?! Só porque é islâmico?! Não está, exactamente, no mesmo plano, por ter a mesma origem teológica, a questão do aborto? Ser contra o aborto, reconhecendo um “direito” ao nascituro, não é exactamente partilhar de um fundamentalismo, agora, cristão?

 

Já sei que gerei a polémica!

Argumente-se como se quiser. Eu sou contra todos os fundamentalismos e, por isso, sou a favor do direito ao aborto, limitando a sua prática a duas condições: a liberdade de opção da mulher grávida e a ausência de risco de vida para ela.

17.02.15

Lições práticas de Economia


Luís Alves de Fraga

 

Há muitos anos aprendi Economia Política, como então se chamava, e, depois disso, também a ensinei — “estranhamente” a minha actividade lectiva começou quando tinha vinte e dois anos de idade e dava explicações de… Matemática! —, então, de uma forma mais “moderna”, seguindo princípios menos “teóricos”, usando eixos de coordenadas cartesianas e “gráficos”.

Cada vez mais — e não me canso de dizer isto — os economistas preferem falar de uma ciência “matematizada” do que de uma ciência social. Cada vez mais se impõem “modelos matemáticos” ou numéricos em oposição aos fenómenos económicos comandados pelos homens no seu viver quotidiano. É como se a mola real da Economia — a necessidade — fosse traduzível em algarismos, quando, afinal, é, e será sempre, fruto da vontade do Homem, mesmo que a necessidade resulte de uma “criação artificial”, de um “desejo inventado”, que tem por base a publicidade e o marketing.

 

O mais curioso, quando se pretende aplicar modelos matemáticos à Economia, é que estes acabam sempre por evidenciar a sua fragilidade perante a vontade social.

Na verdade, se se actuar calculadamente, matematicamente, sobre a produção, por exemplo, reduzindo-a para valores “ideais”, acontece que a retracção “comandada” pelas fórmulas numéricas excede o valor destas, porque os produtores se acautelam para além do próprio cálculo. É humano! E a inversa também é verdadeira! O receio de perder ou a ganância de ganhar mais determinam comportamentos que não são redutíveis a fórmulas precisas. Assim, a falibilidade das soluções económicas que têm por base o valor “asséptico” calculado em salas de estudo computorizado é total quando sai do campo teórico para o da realidade. Foi isso que aconteceu na Grécia, em Portugal, na Irlanda e antes, muito antes, na Argentina, por exemplo.

Na economia real nada se comporta como estava calculado no silêncio dos gabinetes, porque os agentes económicos não se prendem aos algoritmos, deixando guiar-se pela sua experiência prática e pelos seus instintos de sobrevivência ou de ganância. E esses, por mais “deltas” ou “lambdas” representativos das incógnitas varáveis numéricas em causa, nunca deixarão de ser o que, efectivamente, são: varáveis inidentificáveis quantitativamente!

 

Assim, a única lição de introdução à Economia, que se pode e deve dar, tem de ter como ponto de apoio para a alavancagem que se deseja uma ideia simples, que vai beber os seus princípios à mecânica dos fluidos: estes tomam a forma do vaso que os contém. Ou seja, se se “deformar” o fenómeno económico num ponto qualquer da sua macro estrutura haverá uma ou várias correspondentes deformações em qualquer outro lado da “superfície” do referido fenómeno. Quando se reduz a despesa do Estado na área do investimento reprodutivo vai haver despedimentos na área da produção e baixa de salários geral com imediata repercussão no consumo, o qual, por sua vez, vai gerar uma quebra da procura em toda a gama de produtos, que arrasta a um aumento de despedimentos, continuando a reflectir-se em ondas de menor intensidade sobre toda a superfície do “tecido” económico. Travar esta sucessão de efeitos constitui uma tarefa quase impossível, por causa dos “contágios” do âmbito da psicologia colectiva!

 

Então o que é que podem fazer os economistas “matemáticos”? Ampliar, até à exaustão, as “boas” notícias económicas, enaltecendo os “bons” resultados numéricos que defendem, escondendo por baixo do tapete todas as notícias que desmentem e põem a nu a “sua boa realidade”. Por outras palavras, falam de macro números económicos e mentem, escondem e omitem os macros efeitos sociais resultantes.

Depois, depois vêm os comentadores de serviço, os que olham os fenómenos económicos segundo prismas diferentes, exaltar as suas “verdades”: as da Economia das fórmulas matemáticas e as da Economia Política e Social. Todos falam verdade, só que, para cada um deles, a “sua” verdade é objectiva e objectivável por exclusão da verdade do outro! Ora, por força da “fluidez” dos fenómenos económicos, realmente, a verdade em Economia é sempre subjectiva, por isso, só passível de ser suficientemente abarcável se for olhada por todos os ângulos de análise.

15.02.15

Passagem de peões ou sinal vermelho?


Luís Alves de Fraga

 

Há já muitos anos, foi introduzido entre nós o conceito de “passadeira” – também chamada inicialmente “zebra” – como local seguro para os peões poderem atravessar as vias rodoviárias. Seguro, porque naquele espaço os veículos automóveis e motociclos com motor deviam abrandar a marcha e parar para dar oportunidade aos transeuntes passarem.

A ideia não foi muito bem aceite e recordo até uma campanha publicitária muito curiosa que representava um idoso a atravessar a rua e um automóvel a parar ouvindo-se, em “voz-off”, a frase “Dê mais tempo a quem precisa”. Recordam-se, os mais velhos, disso?

 

Pois bem, falando de fundamentalismos, apeteceu-me hoje abordar os que se geraram com as passadeiras de peões! Ou será que vou utilizar o mote para atingir outros fins? Vejamos com calma.

 

Qual terá sido o motivo para alguém, algures, ter inventado o conceito de passadeiras para peões?

A explicação é óbvia: a anarquia dos transeuntes a atravessar as vias onde circulavam automóveis. Ora, daqui decorre uma outra pergunta:

— Quem é que precisava de ser disciplinado: os peões ou os automobilistas?

Dirão os mais sensatos:

— Ambos, porque sem a disciplina de uns não pode haver a disciplina de outros!

Dirão os defensores dos automobilistas:

— Os peões, porque metiam-se no meio dos veículos e era matar neles a torto e a direito, pois, de contrário, os automóveis nem circular poderiam!

Não me atrevo a perguntar se os condutores dos veículos com motor deveriam ser os únicos elementos a serem disciplinados, pois a mais elementar lógica leva-nos a pensar que não, porque a estrada e a rua fizeram-se para poderem circular com os seus carros ou motociclos, tal como os chamados “passeios” para os peões!

 

Ora, com o rodar dos tempos, o que foi que aconteceu? Os peões disciplinaram-se e começaram a ver a passadeira como o sítio mais seguro para se afoitarem a atravessar as vias destinadas a veículos automóveis e os automobilistas a saberem que naqueles locais poderiam ter de abrandar ou parar a marcha, porque era ali que havia maior perigo para eles, pois os peões tinham uma prioridade especial. Isto girava na base do bom senso e do controlo sensato dos polícias de trânsito integrados no espírito da essência da disciplina, até que surgiram os fundamentalistas da passagem de peões: a passadeira tem de funcionar como se fosse um sinal vermelho! Os carros têm de parar nas passadeiras, estejam ou não peões para atravessar!

De repente, por exagero, os direitos transferiram-se dos condutores e dos veículos para os peões que se tornaram donos dos passeios e das vias de circulação automóvel! Tudo é deles e à sua vontade todos se tem de vergar! A circulação automóvel tem de andar à velocidade do peão para salvaguarda deste.

Fui capaz de mostrar como de um ponto se passou ao oposto sem quase se dar por isso e como, de repente, se acusa o utente privilegiado em utente sem direitos?!

 

Pois bem, passemos de um exemplo a outro!

Foi isto mesmo que aconteceu com o crédito, a banca, os consumidores, os deficits e os mercados!

 

Os bancos e o crédito serviam para alimentar a actividade económica e “circulavam” nos “passeios”, dando aos consumidores o seu lugar próprio na “estrada” do consumo que alimentava a produção e esta a economia com base nos deficits orçamentais que a auxiliavam a desenvolver-se no sentido e rumo certos. Havia “passadeiras” para a banca e a finança “atravessarem” a “estrada do consumo”, isto é, garantirem os seus fundos para alimentarem a boa economia e evitarem a falência. Mas a banca e a finança acharam que era pouco circularem nos “passeios” e usarem as “passadeiras” para sua segurança e, vai daí, tomaram conta dos “passeios” e das “vias de circulação do consumo” e exigem que este aumente ou diminua em função dos seus interesses, porque são eles quem dita a velocidade de “circulação” enquanto os “polícias de trânsito” – os políticos e os Governos – se deixaram manipular e começaram a “passar multas” (leia-se, impostos) a torto e a direito a quem circula na via do consumo, favorecendo, afinal os “peões” que já tinham como seus os “passeios” e as “passadeiras”.

 

O que se pode concluir da comparação?

Estudemos a lógica das decisões, escalpelizando a sua razão de ser e usemos de sensatez para pôr norte na vida em sociedade. É isso que os Gregos parece estarem a fazer depois de terem sido impedidos, por todas as formas, de circular na “via normal do consumo”. Temos de lhe seguir o exemplo.

12.02.15

O Regicídio


Luís Alves de Fraga

 

Aconteceu no dia 1 de Fevereiro de 1908 que D. Carlos I e o filho primogénito foram mortos na Praça do Comércio numa emboscada preparada para o efeito, supõe-se, com grande certeza, por membros da Carbonária.

A historiografia nacional tem abordado o assunto sob vários ângulos, quase o esgotando. Todavia, julgo, há ainda uma nova perspectiva para olhar o drama desse ano distante. É por ela que vou enveredar.

 

O século XIX foi, para os Portugueses, a centúria de uma forte tomada de consciência: viram o território pátrio invadido pelas tropas de Napoleão e, depois, em nome de uma aliança supostamente libertadora, viram-se dominados por um general britânico, que, formalmente, só deixou o país depois de uma revolução dita liberal, em 1820. Após toda a instabilidade que se seguiu, em 1834, acabou a guerra civil, abrindo as portas ao liberalismo político, o qual pouco alterou os costumes tradicionais. Reinou, de novo, a instabilidade até que, a meio do século, quando ia avançada na Europa a Revolução Industrial, entre nós começou a Regeneração, ou seja, a abertura ao capitalismo financeiro, que se limitou a trazer alguns, poucos, progressos materiais enquanto politicamente a alternância bipartidária se instalava como forma de governo. Em 1871, um grupo de jovens intelectuais, já antes comprometido, em Coimbra, com uma problemática político-literária, chamou a atenção de Lisboa e dos centros mais esclarecidos do país para o facto de todo o atraso português se dever à forte e exagerada influência da Igreja Católica em Portugal, desde os tempos do reinado de D. João III, o mesmo é dizer, desde o século XVI.

Esse foi o rebate de consciência necessário para alguns sectores habituados a discutir livremente as ideias aceitarem que era preciso acabar com o regime e implantar uma República, dando, verdadeiramente, a palavra e a vontade ao Povo. E esse pensamento ganhou mais raízes quando, em 1890, a Inglaterra, por causa de uma questão colonial, enviou ao Governo de Lisboa o instrumento diplomático mais afrontoso que se usa em relações internacionais: um ultimato! E Portugal teve de ceder. E os Portugueses sentiram raiva da Aliada, e, sem o dizerem, raiva de si! Uma raiva que vinha, afinal, sendo calada, engolida como fel, desde o inicio do século, desde há outros séculos passados, desde que tinham sido obrigados a bater com a mão no peito e a gritar “mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”! Quando lhes ensinaram que a cerviz era para andar baixa ao serviço da Igreja! Quando se lhes calou a verdade dos versos de Camões: «E dizei senhor o que é mais excelente/ Se ser do mundo rei se de tal gente!». Quando, ainda no dizer do vate: «Fraco rei faz fraca a forte gente».

 

E o século XIX português foi o século da tomada de consciência de um passado que havia sido de glória e estava reduzido a um ricto que espelhava fracasso, a um tempo de ranger de dentes e de tristeza, a um tempo de vergonha. E culpavam-se a eito os Governos, a Monarquia, a Realeza, a nobreza, a aristocracia, os latifundiários absentistas, os ricos, os que sabiam ler e os analfabetos. Culpavam-se todos, porque, afinal, todos eram culpados.

O crítico criava a imorredoira figura do Zé-Povinho, mas, ao moldá-la, moldava-se e imortalizava-se! A ele e a todas as gerações que o antecederam! O Zé-Povinho queria aliviar-se da canga que o humor do ceramista Rafael Bordalo Pinheiro lhe havia posto nos lombos; queria desfazer-se daquele rosto vulgar, daquela cara labrega, daquele ar ignaro, daquele jeito submisso e, porque não conseguia ver-se ao espelho, porque não conseguia suportar-se, porque a realidade era muito dura de ser vivida, o Zé-Povinho supôs que, se acreditasse num milagre, deixaria de ser alvo do riso de si mesmo para ser igual aos povos da Europa para quem olhava desconfiado e matreiro.

 

E o Zé-Povinho armou-se e matou o Rei! Matou o rei para não se matar a si! Porque, lá bem no fundo, quem o Zé-Povinho não suportava era a si! Não se suportava e matou o Rei, tal como matou um Presidente, tal como matou a 1.ª República, tal como matou uma ditadura, tal como quer matar um Governo que já não governa e se governa!

O Zé-Povinho, afinal, tem uma enorme incapacidade de se enfrentar, de olhar para dentro de si e dar de caras com um tipo de quem tem repugnância, por isso, todos os dias se mata, se suicida, dizendo mal de si, acusando-se de todos os defeitos e incapacidades, porque o que melhor aprendeu foi, agora já não em latim, mas em língua vulgar, a dizer, batendo com uma pedra no peito: Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa! Porque o que entre nós prevaleceu e prevalece há séculos foi o fraco rei que fez fraca a forte gente!