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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.12.11

Rotativismo e falência política


Luís Alves de Fraga

 

Como é sabido, na segunda metade do século XIX, em Portugal, funcionou um sistema de governação que passou à História com a designação de Rotativismo em consequência da alternância sucessiva de dois partidos no Poder. Alternância que poucas ou quase nenhumas alterações trazia à governação. Era sempre, como soe dizer-se, mais do mesmo. Era o liberalismo português no seu máximo esplendor. As oposições eram fracas e com quase nula representatividade no parlamento; a mais poderosa foi, sem dúvida, a oposição republicana, especialmente a partir dos últimos vinte anos da centúria.

O sistema de rotação conseguiu manter-se porque, por força das leis eleitorais, reduzia a capacidade de resposta da oposição republicana, limitando os votos a uma minoria de eleitores que estava longe de representar a população do país; representava, isso sim, os interesses de uma oligarquia bem instalada na vida. Ao Partido Republicano Português (PRP) restavam duas alternativas para se engrossar: arrebanhar para as suas fileiras os intelectuais descontentes com a Monarquia (o analfabetismo era da ordem dos 75%) e toda a massa de gente que se situava na muito pequena burguesia urbana e no proletariado de então.

Limitado no campo eleitoral só restava ao PRP, como alternativa para conquistar o Poder, o golpe revolucionário. O que se impunha para tal? Primeiro, que houvesse espírito de revolta nas massas populares; depois, que houvesse organização revolucionária; finalmente, que alguns sectores das Forças Armadas estivessem empenhados na tentativa.

O espírito de revolta foi surgindo à medida que a governação e o trono impuseram condições de vida cada vez mais insuportáveis; a organização revolucionária minimamente estruturada ampliou-se quando encontrou terreno propício para se enraizar; por fim, a adesão das Forças Armadas fez-se em grande quantidade ao nível dos soldados, dos cabos e dos sargentos quer do Exército, quer da Armada, sendo que foram poucos os oficiais verdadeiramente empenhados na conspiração e revolta. O 5 de Outubro de 1910 foi o que toda a gente sabe: a vitória da República contra a Monarquia repressiva e oligárquica.

 

Vem esta introdução a propósito dos tempos que correm. Eu bem sei — e não me canso de o afirmar — que a História não se repete, o que se repete são certos planos do cenário histórico onde os factos tiveram lugar. A Politologia, a Estratégia e a Sociologia, na sua actividade científica, mas também, prospectiva, vivem muito da exploração dessas semelhanças, dessas aparentes repetições. Vejamos, então, os paralelismos possíveis.

Em Portugal, depois da estabilização da democracia, a seguir ao PREC (Processo Revolucionário Em Curso), passou a assistir-se a uma rotatividade no Poder: ou está na governação o PS, ou o PSD (sozinho ou associado ao CDS), ou, em última instância, o PS mais o PSD. O eixo da governação estende-se da chamada esquerda moderada ao centro, com fugazes associações da direita parlamentar. Os objectivos políticos levados á prática por este eixo quase têm coincidido, variando em aspectos que não são de fundo.

O eixo rotativista do pós-PREC, em função da maior ou menor abundância de capitais, apostou na criação e manutenção de uma oligarquia financeira, supostamente empenhada no desenvolvimento nacional, mas tendo em mira o máximo enriquecimento. Paralelamente, esse mesmo eixo deixou “engordar” a máquina do Estado, levando e gerando a pequena e média burguesia a viver do Orçamento ou dependendo, em grande parte, dele através da subsidiocracia. Formou-se, assim, uma espécie de “proletariado administrativo” a que se dá o nome genérico de trabalhadores a par dos trabalhadores por conta dos empresários sejam eles fabris ou prestadores de serviços.

O eixo do Poder não foi capaz de traçar uma estratégia de desenvolvimento económico que visasse os interesses nacionais e, por conseguinte, os da população em geral; traçou, isso sim, uma estratégia de adormecimento dos interesses laborais ao mesmo tempo que favorecia descaradamente os grandes empresários e o grande capital.

 

Sobreveio a crise e o novo Governo de centro-direita viu-se obrigado a cumprir obrigações impostas pela troika. O paralelismo continua, de certa forma, a existir, pois o comportamento político de Passos Coelho está para a actualidade como o de João Franco esteve para os últimos anos de reinado de D. Carlos: favorecimento das oligarquias instaladas e repressão (actualmente ainda só de carácter financeiro) das massas populares pertencentes à média e pequena burguesia. O clima de revolta está criado. Aliás, já vinha sendo alimentado, de certa maneira, por José Sócrates através dos favores e das mentiras que rechearam o seu tempo de governação.

Poder-se-á alegar que as diferenças superam as semelhanças, pois basta o facto de Portugal possuir uma moeda europeia e pertencer à União para se alterarem os condicionalismos. Para mim, estes dois factores só favorecem a semelhança, porque antevejo a curto espaço de tempo a desagregação da união financeira e, logo de seguida, a da união política na Europa. Estamos em estado de “pré-guerra” tal como se estava no final do século XIX e começo do século XX.

 

Portugal foi, em 1910, depois da França e da Suíça, a primeira República na Europa. Com Sidónio Pais, Portugal deu o primeiro sinal do que viriam a ser as ditaduras modernas na Europa. Pergunto-me se, em consequência deste nefasto rotativismo partidário que parece perseguir os Portugueses, daqui por dez anos, Portugal não será exemplo de uma outra solução política que os tempos hão-de definir. Para que tal aconteça estão a abrir-se os alicerces, através da revolta surda e ainda quase silenciosa das massas populares; terá de aparecer a Ideia que movimentará os desfavorecidos para a esperança na mudança e, por fim, terá de surgir o grupo catalisador e organizador da revolta. Se os cenários não sofrerem alteração, se os políticos não mudarem de actuação, se a conjuntura não se modificar os vindouros estarão cá para verificar até que ponto eu estou, no presente, enganado. A ver vamos o efeito deste rotativismo contemporâneo.

28.12.11

Reformados


Luís Alves de Fraga

 

Em Portugal, há reformados e “reformados”!

Realmente o velho conceito de reformado como sendo aquele que, depois de uma vida — e sublinho, uma vida — de trabalho, alcançava uma idade na qual, fruto dos descontos que foi fazendo enquanto laborava, passava a auferir uma remuneração paga pela entidade competente foi alterado a partir de certa altura. Julgo que o grande “ataque” ao direito a pensões de “reforma” com tempo de trabalho inferior a trinta e seis ou quarenta anos de serviço ocorreu depois da adesão de Portugal à CEE. Ou seja, começou com a gestão de Cavaco Silva como Primeiro-ministro (admito a possibilidade de estar enganado, mas não excessivamente!). Os novos “reformados” com pensões de luxo por serviços prestados, durante meia dúzia de anos, ao Estado ou a organismos dele dependentes tornaram-se uma praga no nosso país. Mas não é desses que hoje me quero ocupar. Esses não merecem o preço da electricidade que pago para ter o computador ligado para escrever! Quero falar dos outros, dos verdadeiros reformados e não dos chupistas, dos chulos do Orçamento e da sociedade.

 

Um reformado com trinta e seis ou quarenta anos de trabalho consecutivo é um indivíduo que começou a sua vida activa, no mínimo, aos catorze anos de idade ou, em média, por volta dos dezoito ou vinte. Sendo assim, terá, contas por alto, entre cinquenta e quatro e sessenta anos quando perfaz o tempo necessário para a reforma. Ora, como o Estado impôs um tecto etário de sessenta e cinco anos para se adquirir o direito a auferir a pensão de aposentação completa, este trabalhador médio ainda terá de estar disponível entre quinze e cinco anos para a receber. Aos sessenta e cinco anos de idade estará fisicamente desgastado e, muito provavelmente, com doenças crónicas mais ou menos visíveis. Restar-lhe-ão, para viver com alguma qualidade e dignidade, talvez, à volta de dez a quinze anos. Fixemo-nos neste período final.

 

O reformado, já na terceira idade, está tão desprotegido como uma criança perdida dos progenitores: ele é um dependente do valor monetário que recebe da entidade que lhe liquida a pensão. E mais, terá de receber muito pouco para que aquela lhe seja melhorada, pois, caso contrário, o tempo e a inflação irão diminuindo o poder aquisitivo que tinha nos primeiros anos de reformado, verificando-se um movimento inverso: aumento das necessidades, redução do poder de compra.

Um aposentado não é um peso social; ele contribuiu para o bem-estar da sociedade enquanto foi trabalhador. A sociedade tem responsabilidades em relação aos aposentados. E se a sociedade as tem, mais ainda as tem o Estado, enquanto representante da Nação. Por isso, é inadmissível que o Governo de Portugal exija o mesmo esforço contributivo para solução da crise aos que trabalham e aos reformados. Esta atitude tem paralelo no exemplo que nos assaltou quando comparámos o pensionista a uma criança perdida dos pais. De facto, como veria a sociedade uma criança lavada em lágrimas a quem um cidadão comum dissesse qualquer coisa como: — Perdeste-te dos pais?! Olha, é bem feito! Agora vais morrer, vais ter de andar a pedir esmola, a comer dos caixotes do lixo e nunca mais vais ter casa.

Revolta, não revolta? É condenável, não é? É desumano? Pois é! Foi isto que o Governo fez a todos os pensionistas deste país e ninguém se revoltou; e ninguém gritou a desumanidade de tal acção. E ninguém o fez, porque, realmente, toda a sociedade olha o reformado como um pré-cadáver, um moribundo à espera da sua hora, um peso, um entrave, um empecilho, ou, no máximo e na melhor das hipóteses, como aquele que trata dos netos não por opção, mas por obrigação, que mais não seja, moral para merecer o epíteto de “útil”.

Ao reformado foram-lhe tiradas as armas reivindicativas, tal como à desamparada criança: sobra-lhe o choro e o queixume e mais uma única e mesquinha vingança — todos os trabalhadores hão-de chegar à idade da reforma e saber o que ela representa.

26.12.11

Crime de lesa-pátria


Luís Alves de Fraga

 

O Natal está a acabar. Faltam pouco mais de três horas para a rotina de todos os dias voltar ao normal… ou quase. Quase, porque a semana que entra é a última deste ano de 2011. De hoje a sete dias já teremos entrado no fatídico 2012. Fatídico não por causa das histórias que correm um pouco por todo o lado, por causa do célebre calendário Maia que acaba no ano que vai começar, mas devido à carga de alterações financeiras que o Orçamento do Estado prevê.

A crise vai iniciar-se, efectivamente, no ainda próximo ano, em consequência das reduções das despesas do Estado e dos aumentos fiscais que se vão fazer sentir. Os bolsos de todos nós vão ficar mais vazios e o nosso poder aquisitivo vai reduzir-se drasticamente.

Salvo raras excepções, os economistas internacionais condenam em absoluto as prescrições dos técnicos do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional. Os pontos mais focados por todos eles giram à volta da impossibilidade de pagamento das dívidas soberanas e do empobrecimento a que estão condenadas as fracas economias dos Estados periféricos da União Europeia.

Para se perceber o absurdo da situação nada como reduzir a uma escala pequena o que se passa com os Estados. Vejamos, então.

Uma família está endividada e, para poder viver, tem de se socorrer de mais empréstimos para, por um lado, satisfazer ao défice entre o que ganha e o que gasta e, por outro, pagar os juros do capital que já foi pedido há mais tempo. Que soluções se podem colocar?

Por um lado, os credores obrigarem a família a comprimir as suas despesas, colocando em causa a sobrevivência da totalidade dos membros ou de uma parte deles, pois terão de deixar de adquirir bens essenciais, tais como vestuário, medicamentos e alimentos para limitar o consumo ao absolutamente restrito. Deste modo, a família pode baixar o nível dos empréstimos para sobreviver e conseguir algumas sobras que chegarão mal para pagar alguns juros. O futuro do agregado familiar passa a estar condicionado pelas necessidades e pelos baixos salários que auferir no mercado. Os seus membros venderão a força de trabalho por qualquer preço e em quaisquer circunstâncias. Os credores são, afinal, os donos dos seus destinos.

Outra solução, os credores reformularem a dívida, alongarem o seu pagamento no tempo e continuarem a emprestar dinheiro para que a família possa satisfazer as suas necessidades e ampliar as fontes e formas de aumentar os seus rendimentos.

Na primeira solução, impera a ganância financeira e o desejo de exploração até aos limites da exaustão familiar; na segunda, domina o desejo de manter o devedor com capacidade de liquidez de modo ao credor auferir lucros por tempo indeterminado. Em qualquer dos casos, o devedor está sempre sujeito à vontade do credor, contudo, na primeira situação este é um predador social e, na segunda, um ganancioso inteligente.

 

Se ampliarmos o exemplo para a dimensão de um Estado temos, de modo simples — naturalmente, redutor — o retrato dos comportamentos da banca perante a situação actual. Mais ainda, percebemos o papel nefasto das companhias de notação, pois actuam como claque junto dos credores para os incentivar na ganância do lucro, levando-os ao absurdo de imporem aos devedores taxas de juro incomportáveis. O efeito é devastador, assemelhando-se ao de um conflito armado. Realmente, na guerra todos os esforços financeiros e económicos viram-se para o apoio às forças combatentes, desprezando-se as consequências colaterais. Foi isso que aconteceu na Grande Guerra e na 2.ª Guerra Mundial: os vencedores acabaram com as suas economias tão destroçadas como os vencidos (excepção dos EUA que souberam, por um lado, afastar a guerra do seu território e, por outro, mantiveram altos padrões de emprego devido ao número de homens mobilizados para as frentes de combate, resultando daí uma economia interna florescente).

 

O Governo português, tal como o grego, ao aceitar as condições que a troika lhe impõe admite o efeito devastador da guerra no seu território. Toda a economia está a atrofiar-se tal qual como se estivéssemos a viver um conflito armado. O “inimigo” é o défice e, em nome dele pedem-se todos os sacrifícios aos Portugueses e aos Gregos (amanhã, aos Italianos e aos Espanhóis). Os mercados encolher-se-ão e, consequentemente o desemprego irá aumentar, mas os desempregados não vão ser incorporados nas Forças Armadas para combater, todavia vão “morrer” num “combate” que se não trava. Daí que o Primeiro-ministro e o Governo os “incorporem” no “exército” da emigração. Fora do país “morrem” para o mercado e para o Estado. Os que ficam são destroços humanos que terão de viver com “senhas de racionamento” fisicamente inexistentes, mas, na verdade, reais, porque não terão dinheiro para comprar os produtos que se vendem. E este panorama vai atingir todos nós! Não se pense que por ter hoje e agora um excelente emprego se vai, amanhã, conseguir mantê-lo… Todos os esforços vão canalizar-se para a “frente de batalha” onde se “combate” a dívida e o défice.

 

A desonestidade e inabilidade do partido e do Governo de Passos Coelho levaram Portugal a esta situação.

Desonestidade, porque agora, enche-se a boca a dizer que foi o Governo Sócrates quem negociou o acordo com a troika, omitindo que essa negociação foi imposta por força do PSD não ter aceite o PEC IV e ter conduzido o Governo de então a apresentar a demissão, gerando novas eleições; inabilidade, porque, ao invés de contraditar as imposições da troika, tentando negociar um amplo acordo com credores, levando os poderes centrais da União Europeia a subsidiar a economia nacional, aceitou o “combate” nos termos em que a alta finança o ditou, arrancando para a “frente de batalha” já vencido, já derrotado, já em situação de traição ao Povo português a quem vai exigir sacrifícios inúteis em nome de nada e de nenhum valor, por muito pequeno que ele seja.

O Governo está deslegitimado, porque incorre, em cada dia que passa, no crime de lesa-pátria, no crime de genocídio moral e económico de um Povo. Se é certo que todos os Governos de Portugal, desde o de Cavaco Silva até ao de Sócrates, deveriam responder em tribunal por crimes de má gestão, o Governo de Passos Coelho deveria, se tal fosse possível, responder no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, porque, fruto da sua conduta, está a lesar profundamente os direitos fundamentais dos Portugueses.

23.12.11

China e Chineses


Luís Alves de Fraga

 

O negócio está feito. A grande parcela do Estado português na EDP, 21% das acções, foi vendida a uma empresa chinesa.

Bom, a verdade não é bem esta. A verdade é que os 21% foram vendidos a uma empresa estatal da China comunista, ou seja, foram vendidos ao Estado chinês, ou, se se quiser ser mais redutor, foram vendidos ao Partido Comunista da China. Foi a melhor proposta, a melhor oferta, a que se dispunha a pagar mais e eis que, em 21% da EDP, empresa capitalista do Portugal neoliberal, quem manda são os comunistas chineses! Engraçado as voltas que o negócio, o “bom” negócio, pode dar à cabeça das pessoas! Por “bom” dinheiro vende-se tudo e não interessa a quem! Ao não interessar a quem será que este Governo tem coragem para condenar o desrespeito pelos direitos humanos na China? Ou tornar-se-á conivente com as práticas políticas chinesas? Realmente, elas não andam muito longe daquilo que o neoliberalismo gostava de ver implantado no mundo! Mas, que é feito da coerência do CDS que há trinta e seis anos não votou a Constituição Política nacional por ela ser marcadamente de pendor socializante?

 

Deixemos estas questões “menores”, que incomodam certas pessoas quando recordadas, para nos concentrarmos no negócio feito.

Indubitavelmente, bem contra o que seria desejável, na minha opinião, o Estado português tem de vender património não só para travar o sucessivo défice orçamental como também para se financiar, porque o país carece de financiamento, não para ser gasto em consumos supérfluos mas para os dirigir para os sectores produtivos da nossa economia. A entrada da China no sector eléctrico português pode representar um acréscimo de investimento com a geração de emprego e salários apropriados. Importante é que o Estado saiba legislar no sentido de proteger os trabalhadores nacionais de modo a que não sejam mão-de-obra barata ou substituídos por gestores chineses. Naturalmente que à China não interessa o rendimento do consumo eléctrico dos dez milhões de habitantes que nós somos. Isso é uma pequena migalha no imenso prato chinês! O que interessa à China é a possibilidade de ter assento nos Estados da União Europeia e naqueles onde a EDP tem negócios já montados. Ora, a pouca importância do mercado nacional face à China é uma fragilidade portuguesa neste negócio. Um “apagão” em Portugal não incomoda Pequim. Temos de ter consciência deste facto. A venda de aparelhos ou de componentes de aparelhos para produção de energia eólica a Portugal nada representa na perspectiva de negócios da China. Importante é a cota de mercado que a EDP tem em grandes Estados consumidores. Importante é a penetração na União Europeia. Isso é estratégico para Pequim. Ora, por o ser, ocorre tentar perceber se o negócio que Portugal fez é estrategicamente conveniente para o eixo Paris-Berlim, especialmente para a Alemanha. E aqui pode ter falhado a percepção dos governantes e negociadores nacionais.

Realmente, a venda à China é, sem sombra de dúvida, a perda de oportunidade de negócio de uma empresa alemã (e o que afecta a economia alemã, afecta a Alemanha). Vender à China foi, na Europa, virar as costas à poderosa Alemanha; foi, de certo modo, querer responder com arrogância à arrogante Alemanha. Esta atitude tem algum paralelo com o que se passou, nos últimos anos do século XIX, entre Portugal e a Grã-Bretanha quando ambos os Estados se encontravam na corrida à posse de colónias em África. Com efeito, a negociação do chamado mapa cor-de-rosa (projecto de uma colónia portuguesa que ia do litoral de Angola ao litoral de Moçambique) com a França e a Alemanha correspondeu a um virar de costas à Inglaterra e à aliança que unia Lisboa a Londres. Como os interesses coloniais de Portugal se chocavam com os da Grã-Bretanha (então em franca rivalidade com a França e a Alemanha) Londres acabou por achincalhar o Governo de Portugal impondo-lhe um ultimato a que este teve de se sujeitar em vinte e quatro horas. Berlim e Paris mantiveram-se impávidas e serenas perante a atitude britânica bem ao contrário do que Lisboa terá previsto que acontecesse.

A lição que podemos tirar deste episódio é que as reviravoltas estratégicas têm de ser muito bem pensadas e cautelosamente executadas, tendo em conta o velho adágio popular: “com o teu amo não jogues às peras, pois ele come as maduras e dá-te as verdes”. Embora a Alemanha não seja “amo” de Portugal o certo é que o centro de decisão da actualidade portuguesa passa, não por Bruxelas mas, muito especialmente, por Berlim.

Vamos dar tempo ao tempo para tentar perceber se a venda da parcela estatal na EDP à China, no plano estratégico, não foi um mau passo que Passos Coelho deu.

22.12.11

Mais três dias


Luís Alves de Fraga

 

Em Portugal, em trabalhos de natureza administrativa, há uma cultura de empresa muito comum e que eu me permito apelidar de “presentismo” em oposição ao “laboralismo”.

 

O “presentismo” é uma forma de camuflar o baixo trabalho, a baixa rendibilidade, com uma falsa produtividade que se mede somente pela quantidade de tempo que o funcionário está no posto de trabalho. Na verdade, há uma grande diferença entre o “laborismo”, ou seja, uma alta produtividade independente do tempo de presença no local de trabalho, e o “presentismo”. Este serve para escravizar, amesquinhar, mediocrizar o trabalhador administrativo; aquele serve para o libertar, valorizar e incentivar.

Está provado que, nas empresas de serviços e de carácter administrativo, o empregado que tem maior liberdade de horário, mais flexibilidade de presença no local de trabalho desempenha com maior rigor e mais eficiência a sua tarefa; com ele nada está atrasado, porque sabe que cumprida a sua obrigação não tem peias ou constrições que lhe limitem a saída. O trabalho deixa de ser um fardo para passar a ser uma tarefa que se cumpre com agrado para poder usufruir do repouso necessário.

 

Em Portugal são raros os empresários capazes de levar à prática uma política de trabalho que tenha como meta o “laborismo” e, em oposição, preferem o “presentismo” espartilhado por um horário inflexível com faltas descontadas e relógio de ponto em local bem visível para controlo da simples presença. O trabalhador deixa quase de ser pessoa para ser tomado como peça de uma qualquer máquina que produz trabalho administrativo. Face ao “presentismo” e para o justificar, é comum os responsáveis burocráticos pelas cadeias hierárquicas inventarem tarefas absolutamente inúteis que, para além de ofenderem a inteligência do trabalhador (porque percebe que está a trabalhar “para o boneco”), geram entropia no sistema, aumentando circuitos de informação desnecessária e que, em última análise, encarece o labor empresarial. Os responsáveis burocráticos inventam afazeres para os seus subordinados de modo a justificarem a sua própria presença no local de trabalho e garantirem o seu posto na empresa. Geram-se monstros administrativos que acabam por não ter tempo para fazer aquilo que deveriam efectuar. Um caso bastante evidente desta situação é o da contratação de empresas privadas para executarem estudos especializados do e no aparelho do Estado. Fazem-se cobrar, normalmente, muito bem, por uma tarefa que, se não existisse a cultura laboral do “presentismo”, funcionários públicos, devidamente estimulados e credenciados, seriam capazes de levar a cabo; não o podem fazer, porque estão empenhados em fazer “nada”. Nada que seja realmente produtivo.

 

O Governo, chefiado por um “trabalhador” amador, pois nunca foi profissional de nada a não ser da política, e composto por uma série de outros iguais a ele e alguns académicos provavelmente com experiência no mundo laboral a partir de posições de topo, muito distanciadas das realidades da prática comezinha, determinou, ou vai determinar, mais uma “bacorada” no plano do mundo do trabalho: a perda de três dias suplementares de férias de que usufruíam os trabalhadores mais diligentes. O Governo carrega na tecla do “presentismo” julgando que está a tocar na do “laborismo”. Um disparate monumental, pelo menos, no que toca aos trabalhadores do sector burocrático/administrativo, ou seja, aqueles que não estão empregados em fábricas. E, até para estes, o Governo demonstra que desconhece, em absoluto, as técnicas de obtenção de aumento de produtividade em ambiente fabril. Mais uma vez, estas são medidas que, para além de ofensivas dos trabalhadores, se destinam a “inglês ver”, pois os grandes especialistas de Organização de Recursos Humanos desse mundo fora, se tomarem conhecimento da decisão do Governo português, estão a rir-se a bandeiras despregadas do terceiro mundismo da medida.

Para além de ser triste, esta decisão do Governo, mostra toda a sua incapacidade de gestão e amadorismo. Os únicos papalvos que batem palmas são os atrasados mentais dos empresários portugueses — atrasados mentais, porque não há maneira de aprenderem como se deve gerir uma empresa para obter satisfação dos empregados e, ao mesmo tempo, altos níveis de rendimento laboral — pois julgam que vão explorar os seus empregados quando, bem feitas as contas, os explorados vão ser eles.

 

Dá vontade de dizer: — Senhor licenciado Passos Coelho, vá, primeiro trabalhar, estudar as técnicas mais modernas de motivação laboral e, depois, candidate-se a líder partidário, porque para ser Primeiro-ministro está ainda muito cru.

Deus proteja Portugal e os Portugueses, pois nada há de pior do que o atrevimento da ignorância e da juventude transviada!

20.12.11

Revoltem-se, sacanas


Luís Alves de Fraga

 

O projecto de união europeia que começou a ser construído em 1950 apontava para uma Europa de paz, solidariedade e abundância. Foi à sombra destas ideias centrais que se desenvolveu o alargamento do espaço geográfico comum.

O projecto de uma moeda única, traçado em 1991, não supunha a subjugação de Estados por Estados, pelo contrário, era mais um elemento de ampla circulação de riqueza. E, é necessário que se exalte muito bem a ideia de que a riqueza não depende de um orçamento equilibrado, mas sim, de uma economia pujante, uma economia que produza, venda e consuma.

Naturalmente que um Estado com um orçamento deficitário não indicia bom “estado de saúde”, pois consome mais valores monetários do que aqueles que consegue arrecadar; indicia possíveis desperdícios ou uma deficiente máquina de cobrança de receitas e isso pode acontecer por causa de estar a beneficiar quem maiores rendimentos alcança. Um Estado com orçamento deficitário tem de corrigir os desvios de consumo, começando por identificá-los e eliminá-los. Esta correcção pode e deve ser feita sem afectar excessivamente o aparelho produtivo de modo a que economia e finanças sejam elementos complementares do bem-estar social.

 

Os economistas quase sempre e cada vez mais têm tendência a apresentar a “sua” ciência com roupagens altamente entrelaçadas e, de preferência, usando termos em língua inglesa. A Economia Política é um ramo do conhecimento que assenta toda a sua “complexidade” em meia dúzia ou, no máximo, uma dúzia de conceitos simples que de complicado só têm a articulação que entre si exigem. Se tivesse de reduzir a Economia Política a uma imagem física concreta diria que se assemelha a um balão esférico que ao deformar-se, por pressão, num ponto, se compensa expandindo-se noutro em medida igual à da compressão. A boa gestão económica passa por saber encontrar equilíbrios de modo a manter a forma esférica sem deformações notáveis.

 

No presente momento, na Europa, esqueceram-se as boas lições de Economia e está-se a “deformar” todo o equilíbrio da “esfera”. A preocupação da redução dos défices orçamentais de alguns Estados membros da União Europeia, de modo a manter o alto valor cambial do euro e, ao mesmo tempo, o alto valor das exportações dos Estados vendedores, leva a que os primeiros tenham de praticar políticas recessivas na sua economia. Como é sabido, encontram-se nesta situação a Grécia, a Irlanda e Portugal, caminhando a passos largos para o mesmo destino, a Espanha, a Itália e a Bélgica. Espera-nos o desemprego, a redução aquisitiva, o encarecimento de todos os produtos e, em última análise, a miséria.

E quem impõe esta situação? A Alemanha e a França em associação. E porquê? Porque não pretendem baixar o nível de vida dos seus trabalhadores nem aumentar a carga fiscal dos seus produtores; no fundo, não querem desvalorizar o euro, introduzindo inflação nas suas economias.

 

A Grécia está moribunda e Portugal estará na mesma situação daqui a um ano. A Itália já começou a introduzir medidas restritivas que vão pesar sobre os cidadãos e na Espanha já há meses que o comércio abrandou o nível de vendas, pois o desemprego disparou para valores muito altos.

 

Na última cimeira dos líderes europeus a Alemanha, sempre apoiada pela França, impôs a obrigação de, constitucionalmente ou de modo semelhante, todos os Estados da zona euro e, também, os que a ela não pertencem assumirem o compromisso de manutenção do défice orçamental na margem dos 3% do PIB de cada Estado. É sabido que o único que se recusou foi o Reino Unido. E mais, para além de recusar, está a admitir como possível o colapso do euro na Europa e em particular em Espanha e Portugal. Londres lá terá as suas razões para estabelecer planos de contingência deste tipo.

Perante este cenário assistimos ao discurso catastrofista do Primeiro-ministro de Portugal e dá-me vontade de lhe perguntar se não tem canais formais ou informais para desenvolver com Madrid, Roma, Bruxelas e Atenas um pacto de revolta contra a ditadura do eixo Paris-Berlim. A passividade destes políticos obriga-me a perder o tento oratório e gritar-lhes, aqui deste meu canto:

— Revoltem-se, sacanas!

15.12.11

Vandalismo


Luís Alves de Fraga

 

Têm sido notícia nos meios de comunicação os actos de vandalismo praticados na “Via do Infante”, no Algarve, contra os pórticos e componentes informáticos que permitem a leitura de matrículas e fixação de valores de portagem dos veículos que por ela circulam. Alguém anda a destruir sistematicamente o sistema. A reposição em funcionamento custa dinheiro e alguém vai ter de pagar. Porque se está a estragar um património designa-se o acto por vandalismo.

 

Para que fique claro, não sou adepto de actos de vandalismo, mas isso não me impede de os tentar compreender para os poder explicar. Não condeno só porque não concordo; condeno, porque o acto de vandalismo não tem rosto, porque, sendo anónimo, acaba por ter de ser pago por todos. Contudo, para compreender e explicar há que perceber as causas.

 

No caso vertente, a “Via do Infante”, para além de ter sido construída para servir o Algarve e o turismo, facilitando a deslocação paralela à linha da costa, veio substituir uma estrada velha, sobrecarregada de trânsito local, passando pelo meio de povoações, traçada ao ritmo do século XIX e para satisfazer necessidades de um tempo que já nada tem que ver com o actual. A alternativa à “Via do Infante” não existe, por ser caótica. Quem vive no Algarve e tem de se servir das chamadas Estradas Nacionais está perdido. Perdido, pois facilmente fica remetido a situações incontornáveis de lentidão, de consumo excessivo de combustível e desgaste prematuro da viatura. O pagamento de portagem na “Via do Infante” se atrapalhou o turismo, passou a atrapalhar muito mais quem vive dele ou está dele dependente. Encareceu o que devia ser atractivo; encareceu uma das poucas indústrias que a adesão à, então CEE, não destruiu. Fazer pagar o trânsito na “Via do Infante”, para além de ser mesquinho e medíocre, representa uma total falta de perspectiva estratégica presente e futura.

Olhemos o caso espanhol. Franco, muito antes de se pensar em adesão à CEE, mandou que se rasgassem auto-estradas por toda a Espanha que foram, numa fase inicial, pagas pelos utilizadores, mas que, a curto prazo, se tornaram gratuitas por se ter percebido o quanto mais importante era a circulação automóvel para o desenvolvimento regional espanhol. Não tenho a certeza, mas julgo que restam poucas auto-estradas pagas em Espanha. Os nossos vizinhos sabem muito bem que a rede viária está para um país como as artérias e as veias estão para o corpo humano.

Não defendo exageros em matéria de auto-estradas — teria preferido que se tivesse construído uma boa rede ferroviária e uma única auto-estrada que servisse de espinha dorsal do Minho e Trás-os-Montes ao Algarve — mas há situações que são indispensáveis e, no pólo do nosso máximo turismo, a “Via do Infante” tem o valor de uma artéria sanguínea.

 

Não concordo com os actos de vandalismo, mas compreendo que face às medidas adoptadas, para o Algarve, pelo Governo se passe a uma fase de luta que se aproxima do quase terrorismo e que se pode designar por vandalismo. Compreendo, mas não aprovo, ainda que lhe ache justificação. Também compreendo o pobre esfomeado que rouba um pão, embora não aprove nem concorde com o roubo.

Os vândalos que têm destruído as infra-estruturas portageiras na “Via do Infante” estão a agir pressionados pelos actos do Governo e, se tivéssemos de julgar, para determinar culpados iríamos escalonar culpas, porque há situações em que estas não se podem isolar. Donde, a condenação não pode ser cega.

08.12.11

Sócrates e a dívida


Luís Alves de Fraga

 

Como o prometido é devido, cá estou a cumprir a promessa — dar a minha opinião sobre o pequeno vídeo em que o antigo Primeiro-ministro de Portugal diz que as dívidas nacionais não são para se pagar, mas para se gerirem bem.

 

Para me poder fazer compreender, deixem que me socorra de um exemplo simples e hipotético. Suponhamos que uma família tem de rendimentos mensais (não interessa qual a natureza dos mesmos) mil euros e que consegue viver com esse valor de um modo tangencial, ou seja, sem qualquer tipo de despesas extras e sem qualquer tipo de poupança. Esta família está sujeita à conjuntura externa e interna a ela, já que nenhum sobressalto pode ocorrer que destabilize o seu precário equilíbrio. Está, por conseguinte, numa situação altamente fragilizada; se a conjuntura externa se lhe tornar favorável poderá viver com saldo positivo, mas, se internamente surgir uma doença pode ter de optar entre tratar o doente e pedir dinheiro emprestado ou deixar que se agrave a situação do paciente e ele morra.

Suponhamos, agora, que surge uma oportunidade de, com duzentos euros suplementares, a mãe da família frequentar um curso que a habilita a desempenhar uma tarefa mais remunerada do que aquela que executa todos os dias, facto que trará um acréscimo de rendimento de cem euros mensais ao agregado familiar. Para que o curso possa ser frequentado tem de haver um empréstimo, este pode ser negociado de várias maneiras: alargando o prazo de liquidação ou reduzindo a taxa de juro a pagar. Admitamos que a solução encontrada é a de uma liquidação de vinte euros mensais durante vinte e quatro meses. Teremos, assim, que o rendimento líquido da família passou a ser de mil e oitenta euros durante os primeiros vinte e quatro meses após a conclusão do curso e do aumento de salário da mãe. Este facto dá àquele agregado familiar uma folga de mais oitenta euros em cada mês a qual aumentará em mais vinte findo o prazo de liquidação do empréstimo. Estamos perante uma situação de boa gestão de uma dívida.

Suponhamos que a mesma família, sem possibilidades de gastar para além dos mil euros antes referidos, em dado momento, opta por pedir um empréstimo de duzentos euros para um dos filhos ir fazer um passeio a Sevilha; a família contrai a dívida nas mesmas circunstâncias já descritas. Então, o agregado familiar terá de viver vinte e quatro meses com novecentos e oitenta euros de rendimento o que é manifestamente impossível. O pai, para tornar a vida mais simples, contrai um outro empréstimo de trinta euros mensais durante vinte e quatro meses para começar a liquidar ao fim desse prazo, devendo reembolsar o prestamista em trinta e cinco euros mensais durante trinta e seis meses. Estamos, como se pode ver, perante uma gestão descontrolada da dívida.

 

Qual é uma das conclusões que se pode tirar deste exemplo? Que todas as dívidas que se destinam a reprodução e aumento de rendimento são rentáveis enquanto que todas as que representam desperdício são nocivas à economia. Mas mais ainda: só pode haver crescimento económico quando há acréscimos financeiros aos rendimentos normais. De onde vêm esses acréscimos? De poupanças — se forem possíveis — de empréstimos, quando bem geridos.

Transformemos a “família” num Estado. Embora complexificando-se os circuitos, as bases sobre as quais assenta o raciocínio são exactamente as mesmas: São necessárias poupanças para alimentar a banca que, por seu turno, disponibiliza dinheiro para investimentos produtivos e para consumos inúteis. Se a banca empresta muito dinheiro internamente e se o nível de poupança interno não é elevado terá de se ir financiar junto de bancos estrangeiros, gerindo com cautela o balanço entre o seu activo — ou seja, o que tem ou lhe devem — e o seu passivo — ou seja, o que deve… e o que um banco deve é constituído pelos valores depositados pelos aforradores e mais aquilo que teve de pedir emprestado para satisfazer a procura de crédito.

 

José Sócrates tendo estudado ou tendo aprendido estes princípios elementares de Economia Política não disse nenhuma asneira nem nenhuma heresia: o crescimento económico faz-se à custa de empréstimos que se têm de gerir com cautela. E quanto mais frágil é a economia de um Estado mais ele tem de se socorrer de empréstimos internos e externos; se a sua economia é débil compreende-se que seja difícil conseguir um alto padrão de poupança interna, donde, naturalmente, o recurso à dívida externa aumenta para gerar riqueza. A ideia contrária à dele foi a que norteou Oliveira Salazar e, por isso, nunca foi forte a economia nacional durante o Estado Novo, pese embora, fosse forte o valor do escudo no câmbio internacional… nisso iguala-se Salazar à chanceler alemã Ângela Merkl.

 

O rasto de aversão política que Sócrates deixou entre os Portugueses, por causa de nunca assumir com verdade e frontalidade a situação do país, por causa de protecções escandalosas e por causa da campanha mediática que contra ele se mobilizou, levou a que se lhe atribua uma fama que o ultrapassa; levou a que os Portugueses desconfiem de tudo o que possa afirmar. Todavia, desta vez, José Sócrates tem razão no que diz e é conveniente que se recorde a minha antipatia pessoal em relação ao nosso antigo Primeiro-ministro. Creio ser insuspeito.

04.12.11

Missão e serviço


Luís Alves de Fraga

 

Ontem à noite, no meu escritório, quando me preparava para deitar, arrumando papéis e desligando o computador, fui assaltado por uma ideia que me fez ficar mais meia hora a meditar: a diferença entre missão pública e serviço público. Deixem dar-vos conta do resultado das minhas lucubrações, pois julgo-o importante para nos precavermos no futuro e deslindarmos antecipadamente possíveis perigos.

 

Serviço público é aquele que se faz em benefício da comunidade e que se assume como um dever depois de interiorizado. Serviço público é o trabalho do militar, do bombeiro, do polícia, de todo o pessoal de saúde. É gente que é paga — às vezes de forma insuficiente — para estar à disposição da comunidade nos momentos mais críticos da vida em conjunto. É gente que se dispõe a correr riscos para que os outros se salvem. É um trabalho que se faz contra remuneração, mas, quem o executa, na maior parte dos casos, abdica do verdadeiro valor daquilo que faz para servir por altruísmo e abnegação. O serviço público é uma actividade nobre e enobrecedora, digna e dignificante. Ainda há poucos dias tivemos uma prova disso mesmo no salvamento, levado a cabo por equipas de especialistas da Força Aérea e da Armada, de seis pescadores perdidos no mar alto.

 

Confundindo-se, aparentemente, com serviço público está a ideia de missão pública. Explico.

Missão pública é aquele tipo de serviço público que se faz julgando que se está possuído de um empenhamento teocrático. É um serviço ditado por entidade, normalmente divina, que confere poderes e obrigações superiores à dos restantes membros da comunidade, serviço que ultrapassa a vocação para se tornar numa imposição. Estão neste caso os membros de comunidades religiosas — que, embora começando a sua vida por uma vocação, a transformam numa missão —, a nobreza aristocrática, os monarcas e os ditadores. Entre eles há um elo comum: a ideia de que foram investidos superiormente para conduzir a comunidade onde se inserem. No julgamento aparente quase nada os liga, mas, se formos profundos na análise, encontramos esse liame subtil que os iguala. De todos, o mais perigoso é o ditador. Pulula e reproduz-se no meio político, por ser aquele que lhe oferece o melhor aconchego para realizar-se. Julga encarnar a alma da colectividade, dispondo-se a conduzi-la, mesmo contra a sua vontade, para destinos idealizados nas noites de insónia e de pesadelo. O ditador, mesmo que travestido de democrata, tem sempre uma “missão”; uma “missão” que deseja transformar pública, colectiva, se possível, nacional.

Há, por este mudo de agora, muito ditador que se faz anunciar como democrata. É um puro embuste, pois torna-se necessário saber ver e perceber para além das palavras indo, se possível, ao âmago do comportamento.

O político que se tem como servidor público não se apega ao cargo e, acima de tudo, deixa-se colocar em causa, deixa-se criticar, por ver na crítica uma forma de crescimento, um processo de melhor contribuir para o bem-estar de todos os que nele confiam. Ao revés, o político para quem a crítica é uma afronta é aquele que se julga possuído de uma “missão”, sendo, por natureza, insubstituível.

 

Desculpem-me os meus Amigos e leitores esta longa e árida dissertação. Penso-a necessária para acertar pontos de referência em relação aos políticos que nos cercam, aqui, em Portugal e no mundo. Termos a percepção de que democrático não é só quem se afirma como tal, mas quem faz da política um serviço e não uma missão. Cuidado com os “eleitos” por nascimento, por imposição divina ou por vontade própria. As armadilhas estão aí, esperando que nelas caiamos incautamente.

03.12.11

Os cenários


Luís Alves de Fraga

 

As situações estudam-se e prevêem-se quando, por antecipação, se estabelecem cenários possíveis. A surpresa é o pior adversário do bom decisor.

Vêm os considerandos anteriores ao caso, porque gostaria de deixar aqui o resultado de uma conversa que tive com um Amigo altamente credenciado em Economia e que, para além de ser conselheiro em grandes empresas de renome, ganha a vida como professor universitário. Não revelo de quem se trata, porque não desejo ferir susceptibilidades.

 

Frontalmente, ontem, fiz-lhe a pergunta: - Que cenários se podem prever para Portugal e para os Portugueses se se verificar o desaparecimento do euro ou a saída do nosso país da zona euro?

Respondeu-me com clareza linear: o desaparecimento do euro pode não se dar; o que é possível acontecer é a exclusão de certos países, como Portugal, da zona euro. Contudo, se ficarmos, vamos, com os restantes Estados do sul da Europa, ser reduzidos ao depósito de mão-de-obra barata da União e/ou ao centro de recrutamento de emigrantes; os padrões de consumo vão baixar drasticamente e teremos de passar a saber viver com a nossa pobreza.

E se formos afastados da zona euro? Insisti.

Nesse caso, respondeu o meu Amigo, até ocorrer a implementação da nova moeda — provavelmente outra vez o escudo — atravessaremos um período de gravíssimas conturbações sociais, devido à miséria em que cairemos dado o colapso da economia, e desembocaremos numa ditadura política feroz para recolocar a ordem nas ruas e na sociedade. Depois, iremos, muito lentamente, recuperando a nossa capacidade produtiva até ao patamar do sustentável em consonância com a parca riqueza que possuímos. Ou seja, acrescentei eu, voltaremos aos estádios de subdesenvolvimento que nos caracterizou no passado. Sim, não andaremos longe disso, retorquiu o meu Amigo.

Despedimo-nos. Eu fui dar aulas e ele também.

 

À noite, já depois de regressado a casa, a conversa voltou a matraquear-me os ouvidos. Por mais volta que dê, concordando com as linhas gerais traçadas pelo meu Colega economista, vejo que os cenários delineados são sempre os de miséria relativa a longo prazo e de miséria absoluta no curto; vamos passar dos hábitos de consumo imoderados para os de retenção de gastos a toda a prova. Pior do que isso, pode desenhar-se uma crise social que conduza a uma ditadura política… mesmo fazendo parte da União Europeia – digo eu – pois, fora do euro e baldeados para a situação de Estado periférico, será indiferente à União de amanhã que, por aqui, na Grécia e em Espanha, os governos sejam de matriz ditatorial, tal como foi indiferente à democrática OTAN, no seguimento da 2.ª Guerra Mundial, um Portugal fascista, porque importante e estratégico era ter domínio sobre o arquipélago dos Açores. Amanhã, na União Europeia, as ditaduras pouco ou nada incomodarão se continuarem a ser um mercado de colocação de alguma produção dos países ricos da Europa e, por outro lado, forem os abastecedores de mão-de-obra barata desses mesmos Estados. Não será a União Europeia pensada no final do século XX, mas será a União da primeira metade do século XXI, uma centúria que trará grandes novidades ao mundo, porque o eixo da riqueza se vai deslocar do Atlântico para o Pacífico. O centro do novo planisfério deixará de ser o espaço entre o continente europeu e o continente americano para passar a ser a Grande Ásia e o Oceano Pacífico que a banha.

 

Os cenários estão aí. Discutíveis como tudo o que nunca aconteceu e simplesmente se prevê. Têm a validade que tem. Mas ajudam-nos a poder traçar caminhos e antever soluções.