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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.11.11

Feriados


Luís Alves de Fraga

 

A estranha ideia deste Governo em fixar-se na resolução de minudências quando o país atravessa a mais séria crise financeira com reflexos económicos desde 1926 fala, só por si, da incompetência, da mediocridade e, talvez, do seu reaccionarismo político, para não dizer, também, da sua subserviência ao estrangeiro.

 

Já me ocupei aqui do aumento de meia hora de trabalho diário para todos os portugueses empregados. Não vou voltar ao assunto. Desta feita criticarei o corte de quatro dias que são feriados entre nós.

Se a memória não me falha, a última vez que houve corte de feriados em Portugal foi aquando da implantação da República, a qual, por se assumir laica, reduziu drasticamente a quantidade de feriados religiosos que abundavam no país. Ficaram os mais tradicionais e com maiores raízes culturais.

Passos Coelho e os seus companheiros de governação querem passar à História pelo absurdo facto de reduzir feriados nacionais invocando para isso razões de carácter económico, particularmente de produtividade. Mas quantos feriados se propõem abolir? Qualquer coisa como quatro. É ridículo! Quatro dias a mais ou a menos de trabalho num ano é indiferente e não altera a produtividade deste povo. Como já disse há dias, o problema da produtividade é, fundamentalmente, uma questão mais profunda e que se não resolve com medidas avulsas desta natureza.

Fala-se no corte de dois feriados religiosos e de dois laicos quando o Estado português é, realmente um Estado laico. Porquê esta divisão equitativa?

Fala-se na extinção do feriado de 5 de Outubro e na de 1 de Dezembro. Ora, qualquer destas datas são marcos indeléveis na História de Portugal que só uma cambada de analfabetos pode ignorar e desprezar. A recuperação da independência e soberania em 1 de Dezembro de 1640 é uma data que não deve ser esquecida dos Portugueses; corresponde à refundação de Portugal. A aclamação da República em 5 de Outubro de 1910 é outra data que representa uma mudança de cento e oitenta graus no rumo dos destinos da Pátria: foi a aclamação da República. A aclamação do regime que permite a Cavaco Silva ser Presidente e tantos outros aspirarem a sê-lo neste país de gente ambiciosa de cargos e prebendas civis. Estas duas datas, sendo abolidas da memória colectiva, dão de quem assume a decisão duas indicações bem claras: desrespeito pelo regime político em que vivemos e total desinteresse pela nacionalidade.

Querem acabar com feriados? Querem que sejam quatro? Então qual o motivo porque não escolhem a terça-feira de Carnaval e a sexta-feira santa? Que se não venha dizer que esta última ofende os católicos e os cristãos! E os republicanos e os Portugueses que se revêem no 5 de Outubro e no dia 1 de Dezembro?! Tem receio o Governo da reacção da Igreja de Roma? E não tem da reacção da reacção dos Portugueses? Dos Portugueses cultos e amantes da sua pátria? Tem receio das autarquias que festejam o carnaval e que com isso conseguem uns cobres de rendimento turístico? Valerá, em termos financeiros, esse dia mais do que se for de labor normal?

Confesso que, se não gostava do Governo Sócrates pela carga de hipocrisia e mentira de que se revestia, não gosto do Governo Coelho pelas mesmas razões e mais a demagogia que transpira.

28.11.11

A meia hora


Luís Alves de Fraga

 

Mais uma vez se vai fazer a opção errada! Vai-se aumentar o tempo de trabalho em meia hora diária com a possibilidade de o patronato usar esse tempo conforme entender.

Deixemos para mais tarde a análise marxista desta medida e fiquemo-nos simplesmente pela apreciação prática da ideia.

Pretende-se que a produtividade aumente. Pessoalmente acho muito bem, com ou sem crise, que assim se proceda. Aumente-se a produtividade, mas não se aumente o tempo de trabalho, pois há muitas e variadas formas de rentabilizar a produção.

Se calhar, era mais importante que se desse formação aos nossos empresários para que aprendessem a aumentar a produtividade sem ser à custa do trabalhador. Bastava que se soubesse organizar as empresas de forma racional de modo a reduzir os desperdícios em tempo, matérias-primas e trabalho. Quantas vezes a falta de rentabilidade vem por causa da existência de circuitos redundantes? Quantas vezes um simples gesto pode aumentar a rentabilidade e, por consequência a produtividade? Nada disto o Governo equaciona! E não equaciona, porque ou não sabe ou não quer adoptar as medidas correctas, dando provas de uma incompetência fora do tempo que vivemos.

 

A produtividade pode aumentar-se de forma indirecta e mais demoradamente através do ensino. A escola deve ensinar a trabalhar, mas, para isso era necessário que o Governo e o ministro da Educação deitassem mãos aos programas e, deixando de lado as estatísticas, procurassem a excelência do ensino. A disciplina social na escola é uma via de aumento de produtividade… Tão simples! Mas os professores não sabem isso e os alunos não adivinham e, menos ainda, tal ideia passa pela cabeça dos nossos governantes. Depois, na escola há tantas vias para se aprender e ensinar a aumentar a produtividade! Tudo pode ser feito se se ensinar os alunos a investigar! Não se trata de copiar da Internet, mas sim investigar de modo a gerar a corrente inventiva e dedutiva que promove a modernidade através de ideias novas. Mas os professores não sabem – nas universidades não os ensinaram – e os governantes desconhecem essas vias. Melhorar a produtividade pode passar por ensinar um conjunto de matérias essencialmente viradas para a actividade prática, coisa que os nossos professores também, na grande maioria, não sabem fazer por causa do ensino demasiado clássico que tiveram nas universidades e os nossos governantes desconhecem em consequência de formas anormais de exercício da paraplegia mental.

 

Aumentar o tempo de trabalho em meia hora diária é, na perspectiva marxista, entregar ao patronato mais-valia (aquela parte do trabalho que o trabalhador não recebe por constituir o lucro do capitalista, ou seja, a parcela que qualquer trabalhador dá ao patrão para poder receber uma parte do verdadeiro pagamento daquilo que efectivamente faz nas horas de trabalho). É aumentar, por via administrativa, arbitrária e impositiva, o lucro do patronato, o mesmo é dizer, do capitalista, seja ele pequeno ou grande.

 

Depois, olhando na perspectiva capitalista para a medida, corresponde a aumentar os gastos fixos da empresa – particularmente se ela não for fabril – porque não é por estar mais tempo no local de trabalho que o trabalhador administrativo (tomada a palavra no seu sentido mais lato) mais produz. Pelo contrário; consome mais energia, mais material e não traz à entidade patronal mais produtividade. Isto aprende-se nos cursos de Gestão de Recursos Humanos, que os nossos governantes não frequentaram! Aprende-se que o período de trabalho administrativo só é rentável (nos casos mais bem sucedidos de notável organização) até 45% do tempo de presença do trabalhador no local de trabalho; o resto é desperdício que se escoa desde o tempo de fumar o cigarro, até ao de tomar o café, passando por todo aquele que se está ao telefone, ao telemóvel ou simplesmente a olhar para as moscas! Mas isto não sabe o Dr. Passos Coelho nem os seus assessores mais directos. Mas isto não sabe o senhor ministro do Trabalho nem os seus assessores mais directos. Não sabem porque desconhecem o que se passa ao nível da aprendizagem da Organização & Métodos do Trabalho Administrativo! Não sabem porque não desconhecem o que se passa ao nível da Organização & Métodos do Trabalho Fabril.

É uma tristeza que assim seja, porque o Governo Passos Coelho vai hoje dar mundialmente mais uma prova da ignorância em que está mergulhado.

Deus – se O há – que nos proteja da ignorância, porque ela é muito atrevida! Ou, dizendo de uma maneira mais popular e brejeira, “estamos feitos” com estes tipos!

24.11.11

A legitimidade


Luís Alves de Fraga

 

Diz o Dicionário da Língua Portuguesa, editado pela Porto Editora, que legitimar é «tornar legítimo; legalizar» ou «dar (a um filho natural) o direito dos filhos legítimos» ou, ainda, «reconhecer como autêntico» ou, finalmente, «justificar; explicar». Estas definições confundem o comum dos falantes nacionais, porque “atiram” o acto de tornar legítimo para o campo da Lei baralhando dois conceitos que em Ciência Política são distintos: legal e legítimo.

Na verdade, dos significados dados pelo Dicionário supra referido só um entra claramente no domínio do conceito que a Ciência Política adopta para o vocábulo “legitimar”; é o terceiro que indicámos: «reconhecer como autêntico». Realmente, “autêntico”, aqui, nas circunstâncias em análise, não se identifica com “legal”, mas antes com “verdadeiro”.

Voltemos ao Dicionário. Vejamos agora o que se diz para “legitimidade”: «qualidade de legítimo». Então, podemos concluir que “legítimo é a qualidade do que é verdadeiro». Ora, em Ciência Política, para que um Poder seja legítimo é necessário que ele seja verdadeiro. E quem confere a verdade ao Poder? A Lei ou o Povo soberano? Em última instância, o Povo soberano, porque o Poder que faz a Lei pode não ser, ou já não ser, legítimo, ou seja, verdadeiro, autêntico, por ter perdido a legitimidade, o mesmo é dizer, a verdade e autenticidade perante o Povo; é Poder porque tem os mecanismos de força para se manter ao leme da governação, mas já não recolhe o consenso do Povo. E como se mede esta perda de consenso? Quando o Poder governa contra o Povo, contra a sua segurança e o seu bem-estar.

Há circunstâncias em que a ilegitimidade é imediatamente identificável e numericamente quantificável. Vejamos um exemplo fácil de equacionar. Tomemos o caso de umas eleições em que, como consequência do somatório da abstenção e dos votos brancos, a vontade popular atestada é francamente inferior a 50% dos votos validamente expressos. Estamos em face de uma ausência de legitimidade que será tanto maior quanto menor for a percentagem de votos validamente declarados. Este é o motivo pelo qual, a fazer fé nos cadernos eleitorais, os Governos portugueses, nos últimos anos, têm vivido nas franjas da ilegitimidade, tal como ilegítimo é o Presidente da República. Afinal, à luz de uma análise fria da Ciência Política – e continuo a dizer, fazendo fé nos cadernos eleitorais – a abstenção nos actos eleitorais vem demonstrando a distância existente entre a aceitação deste sistema político e os Portugueses. Corresponde a qualquer coisa como a quase maioria do eleitorado dizer, no dia das eleições: «Querem brincar às democracias? Então brinquem para aí, mas nesse jogo não entro eu!». Assim, a Democracia é só pertença de alguns. E, no caso vertente, o Presidente da República é-o só de cerca de 25% dos Portugueses, facto que lhe retira toda a legitimidade para tomar qualquer acção em nome do Povo. Pode tomá-la em nome da Lei, mas não em nome do Povo que deveria representar, mas, efectivamente, não representa.

O vazio de legitimidade conduz, como disse anteriormente, à necessidade de análise da actuação legal do Poder, ou seja, à necessidade de verificar se a governação está a ir ainda, no sentido de satisfazer o superior interesse da Nação assegurando a defesa, a soberania e o bem-estar do Povo (escuso-me aqui de referir o desejo de continuidade histórica definidor de nação). É isso que os governos fazem quando se demitem antes de tempo ou se sujeitam a moções de censura parlamentar: buscam não romper em absoluto a legitimidade que leve à total perda de confiança do Povo no Poder, pois, se assim acontecer, é todo o sistema político que está em causa. Como a Natureza tem horror ao vazio, a ausência de legitimidade de um Poder leva a que outro se apresente para preencher o espaço oco gerado. Aquele que se perfila de imediato no horizonte político é o poder militar, porque avoca para si a qualidade de último suporte da existência da Nação, visto repousar na sua mão a defesa da independência e da soberania.

Naturalmente, não é comum a intervenção das Forças Armadas na vida política dos Estados com sistemas democráticos consolidados, contudo ela pode ocorrer. Em Portugal aconteceu em 1926, quando o Exército impôs uma ditadura, dada a situação a que chegara a República, especialmente no plano financeiro com défices orçamentais elevadíssimos e uma acentuada instabilidade governativa, e ocorreu em 1974, quando se avizinhava a derrota militar na colónia da Guiné e a consequente culpabilização das Forças Armadas por incapacidade de resolução de um problema cujo desfecho era de natureza política e não militar.

Não perfilho soluções militares para problemas políticos, mas não posso deixar de recordar que, em última instância, e independentemente do hemisfério ou continente, deontologicamente, o derradeiro esteio de uma nação, seja ela qual for, face à ilegitimidade do Poder, se situa nas Forças Armadas dessa mesma nação.

23.11.11

A “democrática” ditadura do PSD na Madeira


Luís Alves de Fraga

 

Fiquei verdadeiramente espantado com a notícia que ouvi, há pouco, na rádio, enquanto conduzia o meu automóvel. A Assembleia Regional da Madeira aprovou o seu regimento e, pasme-se, desde agora qualquer deputado, de um qualquer grupo parlamentar, pode votar por todos, mesmo na ausência dos restantes! Ou seja, está um deputado do PSD presente e presente também todos os deputados da oposição; é posta à votação uma proposta de diploma e o único deputado do PSD presente vale por toda a maioria que está ausente!

Isto é a corrupção absoluta da democracia representativa, da disciplina de voto, do direito ao voto vencido, de tudo! Isto é a ditadura vestida com os farrapos de uma qualquer democracia!

Que legitimidade tem um deputado para representar o sentir de todos os restantes que integram o seu grupo parlamentar?

Esta aberração só pode acontecer num local onde se produzem bananas, mas que, ainda, não é uma república, pois, se o fosse, seria das bananas, com todo o direito e propriedade.

 

Meus Amigos, não me venham dizer que este sistema político está de boa saúde! Fisicamente é um aleijão democrático e psiquicamente é a representação da insanidade mental… E é assim que, de degrau em degrau, se vai descendo da Democracia para a ditadura.

Esta decisão regimental da Assembleia Regional da Madeira, num Estado com vergonha democrática, deveria de imediato ser considerada inconstitucional por ferir os princípios básicos da democracia, plasmados na Constituição da República Portuguesa. Em língua portuguesa vulgar, esta aberração equivale a um diálogo eleitoral do tipo:

- Oh Povo vota em mim! Dá-me a maioria, porque, depois, com ela, eu faço o que bem entender do teu voto, pois tu, de democracia, nada percebes! Quem percebe somos nós, os políticos, especialmente os da maioria.

 

Salazar era, pelo menos, mais honesto do que os actuais salazarinhos! Recusava a democracia parlamentar plena e absoluta, porque, dizia e mandava dizer, o Povo era ignorante e de posse da Liberdade não saberia como geri-la. Em face dos exemplos, quase dá vontade de perguntar:

- Será que tinha razão?

Não direi como Herculano – até dá vontade de morrer – porque estimo muito a vida e gosto de por cá andar, mas que dá vontade de emigrar para um país distante onde se viva desligado da coisa pública, lá isso dá!

20.11.11

Não me peçam silêncio


Luís Alves de Fraga

 

Na sexta-feira, ao fim da tarde, nas cercanias de um supermercado da cadeia Minipreço, caía uma bátega de água muito forte, fui abordado por um jovem dos vinte e cinco aos trinta anos de idade. Negro. Eu caminhava na rua e ele colocou-se ao meu lado, dizendo-me: “Não lhe venho pedir dinheiro, não lhe venho pedir dinheiro… Quero pedir-lhe se me compra, ali, no supermercado, qualquer coisa para eu comer”. Havia, no seu rosto e nos seus olhos, VERDADE.

Respondi sem sobressaltos: “Compro, vamos lá”.

Até chegarmos à porta do estabelecimento perguntei-lhe se estava desempregado e a resposta foi aquela que não podia deixar de ser. Que sim! Onde vivia, foi a pergunta seguinte. Numa casa-albergue da Câmara Municipal. E, para completar o inquérito, se era de Angola. Respondeu-me que já havia nascido cá, mas a ascendência era angolana.

No supermercado, começou por ir direito aos iogurtes e pegar num grande, perguntando-me: “Posso levar um destes?”

Meu Deus, eu havia almoçado bem e ia, ao chegar a casa, depois das minhas aulas, ter uma refeição para comer… ele pedia-me um iogurte!

Respondi-lhe com uma outra pergunta: “Não quer levar um pão?” Os olhos sorriram, porque, o rosto, parece-me, já não o sabe fazer. E acrescentei: “Que tal um pacote de batatas fritas?”

Corria de um lado para o outro quase não acreditando que podia levar aquelas três coisas… E era tão pouco!

Na caixa, uma jovem de origem africana, olhou-me com olhos agradecidos e um sorriso bondoso nos lábios. Alguém ia ter o seu parco jantar naquela noite.

À saída, o jovem afro-português, vítima de uma guerra que nunca deve ter compreendido, agora já confiante na minha generosidade, pediu-me o dinheiro para o metropolitano. Ia regressar ao albergue. Podia dormir com menos fome e abrigado da chuva impiedosa que caía grossa e fria. Dei-lhe o euro e pouco para regressar a “casa”. Pôs o gorro de lã que lhe cobria a cabeça e lá foi direito à boca do metropolitano.

Eu fui dar aulas. Intimamente agradeci a S. Vicente de Paulo, a cujas Conferências pertenci há cinquenta e poucos anos, o ter-me ensinado que a miséria tem um rosto, um cheiro e uma forma especial de falar. Não sou já católico, mas agradeço à Igreja Católica o que me ensinou na minha juventude. Já tenho a idade que se chama de terceira, mas mantém-se em mim muito jovem a revolta contra as sociedades que permitem a miséria.

E venham-me falar da necessidade de sermos fortes para ultrapassar a crise! E venham-me vender a passividade perante estas e outras realidades! Que mundo é este? Para onde vamos? Que cidadãos somos nós, os afortunados? Os ainda afortunados?

Não me peçam silêncio, nem passividade, nem apatia, porque no peito cresce-me a revolta e a indignação.

15.11.11

O Portugal de Salazar


Luís Alves de Fraga

 

  

 

 

Pensar Portugal não é um exercício simples, pois rapidamente se pode cair em análises redutoras e, por isso, falsas, por incompletas. Mas podemos tentar traçar o retrato daquilo que foi o Portugal pensado por Salazar. Idealizado por ele. Como é natural, por arrastamento, chegaremos ao estereótipo do português típico que fervilhava na cabeça do ditador.

 

Para o Presidente do Conselho de Ministros do Estado Novo, que havia começado como ministro das Finanças, Portugal tomava os contornos da sua Beira natal onde imperava a miséria, uma religiosidade muito próxima da crendicie, um conformismo pacífico no qual a raiva não existia ou era afogada em orações beatíficas que livravam das penas do Inferno o pecador. Portugal deveria ser pobre, porque na pobreza residia a felicidade; deveria ser manso, porque na mansidão estava a virtude da conformação; deveria aceitar o seu destino, porque a ambição era fonte de tentações incontroláveis; deveria ser agradecido, porque a gratidão constituía a qualidade dos reconhecidos.

 

É verdade que este quadro foi defendido e propagandeado durante dezenas de anos e moldou mentalidades. Moldou, porque as castrou. E mentalidades castradas perdem o entusiasmo da revolta, perdem o salutar desejo de vencer dificuldades por muito grandes que elas sejam, aniquilam a visão de horizontes largos, tudo reduzindo ao pouco e seguro que nos chega para viver o dia-a-dia que Deus manda.

 

De tal forma Salazar moldou mentalidades eunucas que, mesmo depois de morto há quase meio século, elas proliferam por aí, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. São os conformados com as decisões da troika que nos está a empurrar para a miséria, são os bem instalados que se preocupam com a sua barriga, deixando que as dos esfomeados se colem às costas — não é que o reino de Deus será dos mansos e dos pobres? —, são os “pequenos Salazares” que se contentam com uma democracia (não podem negá-la, nem rejeitá-la!) que se faz de meras aparências, de votações a tempos certos quando os poderes públicos ordenam.

 

Olhando para esta herança do fascismo, pergunto-me porquê se hão-de alvoroçar estes capados quando vêem nos outros a capacidade de revolta, de indignação, de contestação, de reivindicação? Porquê hão-de aconselhar o horizonte curto quando não têm o poder das águias que se erguem altaneiras descobrindo outros mais além? Porquê se ficam por uns vivas a um Portugal amesquinhado e não se erguem por um Portugal liberto?

 

Será que Salazar foi mais longe do que lançar sementes de conformismo ou descobriu que uma parte deste Povo não tem, realmente, músculo nem vontade e, por isso se deixa apascentar como rebanho de ovelhas pachorrentas?

 

Não. Não é no Portugal de Salazar que eu me revejo! Eu remiro-me nas multidões que ordeiramente sabem dizer o que não querem, nos homens e nas mulheres que reivindicam uma liberdade que nos pretendem tirar em nome de um equilíbrio orçamental, de uma moeda que se não desvaloriza e do bem-estar de opulentos senhores da alta finança vivendo dos rendimentos de chorudos depósitos que têm em paraísos fiscais.

 

Não. Salazar está morto e enterrado e é necessário que se faça um funeral condigno à maldita mentalidade que deixou impregnada em vastos sectores da sociedade nacional.

 

Temos o direito de nos indignar! Indignemo-nos.

 

 

 

 

 

13.11.11

As palavras de Otelo


Luís Alves de Fraga

 

 

 

 

Quando, há dias, Otelo Saraiva de Carvalho se opôs à manifestação dos militares a ter lugar no dia 12 de Novembro de 2011, contrapondo-lhe a posição de que os militares devem, em caso de descontentamento, fazer revoluções ele estava a dar voz a uma corrente de pensamento castrense que não compreende o associativismo militar e menos ainda a forma “civil” de o manifestar. Ele defende, como há muitos militares que defendem, as “quarteladas” e os golpes militares. Ele defende uma forma passada de fazer política e de impor legitimidades quando os partidos políticos já se não entendem e lesam a população.

 

Vasco Lourenço, entrevistado no início da manifestação, mostrou a outra face, a moderna, a actual, de os militares apresentarem a sua indignação contra as políticas governamentais. Essa passa por virem ordeiramente para a rua, em clara distinção das manifestações populares que impõem palavras de ordem mais ou menos ameaçadoras, virem para a rua, dizia, silenciosamente, em força e quantidade, dar pública nota da sua discordância política.

 

São duas posições — a de Otelo e a de Vasco Lourenço — que só diferem num pormenor: a capacidade de compreensão dos políticos que são alvo da manifestação. No primeiro caso, eles são obrigados, pela força das armas, a perceber que já não são legítimos; no segundo caso, deveriam perceber que a paciência castrense está a chegar a um limite que é perigoso, pois os militares, enquanto tal, acham que “eles” enquanto políticos, estão próximos de atingir o ponto de perda da legitimidade política. A manifestação pública da discordância castrense está só um patamar atrás da “quartelada” e do golpe militar. É, ainda, uma forma democrática de aviso. Pode repetir-se por várias vezes, mas, para políticos inteligentes e pouco arrogantes do seu vão poder, constitui uma advertência, um “cartão amarelo”. É que os militares, para além de serem os detentores da gestão da máxima violência do Estado, são o último repositório da legitimidade política. E, tal como disse Vasco Lourenço, quando a democracia estiver em perigo, é legítimo os militares fazerem um golpe, uma “quartelada” ou o quer que seja para repô-la.

 

Exposta a questão deste modo, o que me resta deixar claro, é a inteligência dos políticos. Inteligência ou arrogância. Pois, perante uma manifestação como a de dia 12, deviam perceber que as Forças Armadas estão a lançar um aviso muito sério não só ao Governo, mas à Nação e aos poderes constituídos. Aviso de que assim a governação não vai bem! E não se trata de uma questão corporativa, não se trata, como pretendem fazer crer de uma reivindicação semelhante à de um qualquer sindicato — esse é o pretexto. Trata-se sim de recordar que, se os militares já se estão a queixar, haverá muita gente no país que já não suporta a canga de sacrifícios que está a ser lançada sobre o Povo. Trata-se de recordar que a política de austeridade tem limites e devem ser respeitados. Esta é a “leitura” que o Primeiro-ministro e todos os membros do Governo devem fazer da manifestação dos militares. Terá de ser uma “leitura” entre linhas e não linear.

 

A União Europeia garante a democracia enquanto a prática desta não for uma fraude, um embuste, porque democracia supõe mais do que o direito de expressão livre do pensamento, de manifestação e de greve; supõe que do lado do Poder há respostas aos estímulos que são mostrados do lado de quem é governado. Quando o silêncio é sepulcral na área da Governação e dela só parte arrogância e desprezo pelo Povo, o contrato social está roto, a legitimidade faliu, o direito a governar atingiu o seu limite.

 

 

 

 

 

11.11.11

O cessar-fogo


Luís Alves de Fraga

 

Fez hoje, 11 de Novembro de 2011, 93 anos, o comandante de um qualquer batalhão de infantaria de França mandou chamar o corneteiro da sua unidade e ordenou-lhe que, exactamente às 11 horas da manhã, executasse o toque de cessar-fogo, pondo fim ao morticínio que durava desde o Verão de 1914. O pobre corneteiro, hirto frente ao superior hierárquico, respondeu que não podia cumprir a ordem. Qual o motivo, quis saber o comandante do batalhão. A resposta foi clara e dolorosa:
- Já esqueci esse toque, meu comandante!... O olhar perdeu-se-lhe para além do oficial e as lágrimas não rolaram pela face, porque também já tinha esquecido como se chorava...
 
Às 11 horas da manhã de 1918, todas as armas se calaram na frente de batalha. A Morte tinha ceifado mais de seis milhões de vidas...
Anos mais tarde, viria a falência económica e financeira dar liberdade à Fome para oferecer à Morte mais seres humanos. E, depois, seguiu-se-lhe o horror das ditaduras que, matando a eito, de novo implantaram o horror de nova guerra.
 
Os corneteiros da política esqueceram todos, há muito, o toque de cessar-fogo...
10.11.11

O Orçamento do Estado de 2012


Luís Alves de Fraga

 

O Orçamento do Estado para 2012 está em discussão na Assembleia da República. Diz-me um Professor e Economista Amigo:

- Este Orçamento não tem margens para folgas, porque ninguém possui o dom da adivinhação, pois está-se a partir do pressuposto de que se realizará toda a receita. Ora, como a economia vai desacelerar, a receita não se vai realizar, o que se torna possível a necessidade de aumentar ainda mais as medidas de austeridade.

Em face da explicação, restou-me contrapor:

- Mas, então, a Europa tem de praticar uma política de desvalorização do euro e injectar mais dinheiro nas débeis economias nacionais para lhes aumentar a competitividade externa e interna, provocando, deste modo, um crescimento e não uma recessão!

Resposta:

- E quem vai convencer a Alemanha e os Alemães?! Qual o impacto que tal medida teria no nível de vida deles?

 

Fiquei a pensar, uma vez mais, se a troca do escudo pelo euro foi bom "negócio". Estaremos com um helénico destino marcado? Que Europa vai surgir depois de 2013, 2014 ou 2015? O coro dos cantos nacionalistas já se faz ouvir em algumas capitais da União. Estará a espiral histórica a descrever mais uma das suas "curvas"? Contra este capitalismo vai levantar-se o nacionalismo de ontem? O sistema de alianças existente na Europa, antes de 1914, garantia a paz, mas trazia implícito a guerra. A União Europeia, pela sua natureza, assemelha-se a um bloco de alianças solidário, mas garantirá a paz? E onde está o "inimigo"?

 

Infelizmente a Vida é feita de incertezas, de dúvidas e de interrogações. Só de uma coisa temos a certeza: morreremos.

01.11.11

A Luta dos Trabalhadores


Luís Alves de Fraga

 

Pois é, quando eu digo que esta crise nos vai levar a um estádio semelhante — repito, semelhante — ao que vivíamos nos anos 60 do século passado há quem olhe para mim desconfiado. Como é que se pode recuar, num tempo de computadores e telemóveis, ao tempo da televisão a preto e branco e ao velho telefone?

Não é desse recuo que eu estou a falar! Refiro-me ao recuo de capacidades de consumo, de segurança social, de estabilidade laboral, de facilidades de crédito, de hábitos modestos. É a isso que eu me refiro. Todos nós vamos ter de reaprender — muitos terão de aprender — a fazer escolhas de substituição: ou se compra e tem-se isto ou se compra aquilo… Para as duas coisas não dá o dinheiro!

Em alguns aspectos estamos mesmo a recuar aos primeiros tempos da ditadura salazarista! Repare-se nas imposições do Governo no que toca aos horários de trabalho, a despedimentos e a gozo de férias.

Mas será possível — perguntarão os mais cépticos — recuar assim para um tempo de ditadura, vivendo nós um sistema democrático? É claro que é possível. A União Europeia é uma armadilha “democrática” que se transformou numa “branda ditadura”.

Ah, pois é!

Tudo depende de quem a governa e dos valores éticos e políticos que prossegue. Vejamos.

 

Quando se diz que não são admitidos Estados ditatoriais dentro da UE está-se a defender esta do contágio de sistemas políticos totalitários, mas esquecemo-nos que, mantendo formalmente a aparência democrática, é possível fazer prevalecer dentro da UE Estados tendencialmente autoritários.

Tomemos o exemplo da Região Autónoma da Madeira. Alguém tem dúvidas que nela se vive um sistema semi-ditatorial? Pessoalmente tenho certezas. Não se prende quem esteja contra Alberto João Jardim — isso era absolutamente primário — mas persegue-se, de forma subtil, limitando-lhe as possibilidades de gozo de todas as liberdades. Ora, aqui, no continente, com o Governo Sócrates, foi ensaiado o mesmo sistema, aquando da célebre manifestação dos professores — a maior que se tinha visto nos anos mais recentes — pois, pura e simplesmente, ignorou-se o acontecimento, passou-se por ele como cão por vinha vindimada! Isto é pior do que mandar prender ou proibir a manifestação. E é neste aspecto que a democracia está a perder terreno em Portugal. Reclamar ou ficar quieto é, para os governantes, exacta e rigorosamente, o mesmo! Eles continuam a fazer o que querem e decidem nos seus gabinetes. Esbracejar no Parlamento é, em rigor, o mesmo que nem lá pôr os pés!

A partir do momento em que as Forças Armadas foram neutralizadas, por força da simples adesão e integração na União Europeia, há uma total impunidade dos governos da mesma União e, em particular, dos daqueles países que estão a sofrer as mais ferozes medidas financeiras, económicas e sociais. Assim, a “ditadura” já existe na União Europeia sem ser necessária impô-la!

A construção da Europa segundo os padrões dos pais do tratado de Roma está atraiçoada por toda uma geração de políticos que não quis compreender os fins da Europa unida: uma Europa de paz, de abundância, de justiça, de livre circulação, de cultura, de prosperidade. Essa Europa foi atraiçoada pela Senhora Thatcher tal como está a ser liquidada pela Senhora Merkle. Essa Europa é hoje uma prisão em vez de ser um espaço de liberdade. Essa Europa da equidade social sonhada por Jean Monnet, baseada na livre circulação da riqueza, das mercadorias e da mão-de-obra, morreu quando se quis ir mais além do que os contornos possíveis definidos por quadros culturais nacionais.

Portugal é vítima dessa Europa dos políticos do liberalismo e o recuo “técnico” aos tempos de Salazar está aí à vista imposto, não pela mão pesada do ditador de Santa Comba Dão, mas pela da troika que recebe a bênção da Alemanha e da França rendidas ao deus Finança. Não há negociações e concertações sociais que resistam e se oponham à vontade desta ditadura… O mais que pode acontecer são ligeiras modificações cosméticas aceites com desprezo, como quem concede uma esmola a um pedinte miserável, lá no alto das cadeiras do Poder.

Neste contexto, a luta dos trabalhadores é um combate perdido no imediato, é uma derrota social. Veremos o que se pode semear, no futuro, desse esforço quase inglório que se avizinha. Portugal e a Grécia estão de luto. Luto carregado. Mas a “armadilha” chamada Europa mantém-se de boca aberta á espera de engolir mais uns quantos Estados. Em Espanha o desemprego já passou a marca recorde dos 22%. O que lhe irá acontecer?