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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

22.07.09

A tentação de governar


Luís Alves de Fraga

 

 
O Presidente da República, em Portugal, não governa. Ele é o garante de todas as instituições que representam o Estado. Como garante a sua posição política terá de ser equidistante das forças que se encontram na disputa do Poder e que, detendo-o, o exercem.
 
A equidistância do Presidente da República não se mostra pela ausência, nem se afirma pelo silêncio, mas, também, não se exerce através da interferência activa: pelo contrário, cumpre-se adoptando o equilíbrio do fiel da balança, jogando fora das vistas dos cidadãos, sem a publicidade dos grandes envolvimentos. A discrição terá de ser a mais poderosa arma do Presidente da República para desempenhar correctamente a política de influência, que é aquela para a qual foi eleito. Ele deverá comportar-se como a grande consciência nacional na qual tanto se revê o anónimo homem da rua como o mais poderoso financeiro do país. É por isso que o cargo não é fácil de exercer!
 
Dos Presidentes da República eleitos, depois de 25 de Abril de 1974, António Ramalho Eanes foi, sem dúvida, aquele que deu testemunho público de maior distanciamento e equidistância em relação à governação e à política partidária. O seu pecadilho residiu em ter patrocinado a criação de mais um partido político, perfeitamente desnecessário no leque então existente, mas a vitória eleitoral que marcou esse agrupamento fala, por si só, da admiração que Portugal havia sentido pela postura de Ramalho Eanes enquanto Presidente.
Mário Soares, numa afirmação bombástica — característica dos políticos da 1.ª República — optou por se desvincular do Partido Socialista quando foi candidato à Presidência. Tanto quanto a sua irrequieta personalidade lhe permitiu, procurou não se envolver excessivamente nas questões mais profundas da governação, exercendo uma política de influência na qual prevalecia o desejo de se poder afirmar o Presidente de todos os Portugueses.
Jorge Sampaio introduziu na sua conduta uma nuance que o distinguiu do seu antecessor: não recusou a militância socialista enquanto Presidente, contudo, viu-se obrigado a intervir, na fase final do seu mandato, no regular andamento da vida partidária. No meu entender, fê-lo tarde, embora no sentido de corrigir distorções evidentes.
Cavaco Silva está a mostrar uma nova perspectiva de exercer a Presidência da República, pois, muito antes do que aconteceu com os seus antecessores, cujas intervenções mais activas nos negócios da governação só se verificaram no segundo mandato presidencial, está a envolver-se excessivamente nas questões que aos partidos dizem respeito. É claramente notório que Manuela Ferreira Leite tem no Presidente um aliado e que o PSD navega com os olhos postos em Belém, atento às pistas que de lá possam partir.
A dificuldade que Cavaco Silva teve em desfazer-se de Dias Loureiro deu bem o sinal de como as velhas amizades estão a prevalecer sobre uma presidência que deveria, pelo menos na aparência, mostrar-se mais equidistante. Os avisos, mais ou menos descarados e públicos, feitos ao Governo, marcam a existência de uma vontade interventora.
O resultado das próximas eleições legislativas pode gerar uma mais acentuada apetência para a interferência na governação por parte do Presidente da República, pois vislumbra-se um tempo de minorias governativas ou de maiorias relativas. A tentação aumenta tanto mais quanto o sentido de instabilidade governativa se agrava. O perigo mais evidente resultante deste quadro é o da interferência de Belém não como árbitro de desentendimentos e de situações de difícil resolução, mas como parceiro de coligação.
Será que os vinte anos de afastamento da actividade política, mais a prudência da idade, terão modificado aquela faceta autoritária que os Portugueses conheceram de Cavaco Silva quando foi primeiro-ministro?
03.07.09

Lições não aprendidas


Luís Alves de Fraga

 

Fotografia de David Lynch, Industrial Image, Black & White photograph

 

 
Os políticos portugueses sabem pouca História de Portugal. Era importantíssimo que soubessem mais para evitar cometer erros que já foram feitos no passado.
 
É evidente que a História não se repete e, ainda por cima, de modo igual. Contudo, para quem está atento, identifica perfeitamente os traços de semelhança entre situações ocorridas há cem ou cento e cinquenta anos e a actualidade. Basta reconhecer a similitude e a solução adoptada no passado com os consequentes resultados para os tomar como ponto de partida, evitando ciladas que se podem repetir com as alterações próprias de uma época posterior.
Sobre isto dou o exemplo, para mim clássico, e que, julgo, já aqui, em tempos, aflorei.
 
Quando se estuda o século XIX português é costume referir a fase de grande progresso imposto com as obras públicas lançadas por Fontes Pereira de Melo. Foi o tempo das estradas e do caminho-de-ferro. Considera-se que Portugal se modernizou nessa altura. E não há dúvida que deu um salto na modernidade. Mas há que estudar o fenómeno em si mesmo. Vejamos.
 
Fontes Pereira de Melo acreditou que, contraindo empréstimos no estrangeiro para a abertura de estradas e dando a companhias de capitais mistos o lançamento das linhas férreas e a respectiva exploração, atrairia para Portugal os dinheiros necessários para provocar a industrialização, dado que as infra-estruturas básicas já existiam. Por outras palavras, as estradas e os comboios seriam o motor que levaria à fixação das indústrias no interior, permitindo, depois, os fluxos de matérias-primas e de mercadorias entre as zonas de fabrico e as de consumo ou de exportação.
Claro que, enquanto foi havendo trabalho na abertura das estradas e no lançamento dos carris, as populações locais, habituadas a uma economia de subsistência, deram um tremendo salto, dispondo-se ao consumo, pois tinham semanalmente dinheiro “fresco” nas mãos. Este facto animou uma franca industrialização do país, dando, durante alguns anos, a sensação de que tudo estava a mudar para melhor. No entanto, tudo estagnou quando as obras públicas abrandaram. A debilidade económica da classe média e o endividamento do país ao estrangeiro nunca permitiram que o parque industrial fosse grande e suficientemente sólido para enfrentar a concorrência das potências industriais da época.
Visto assim, em resumo e sinteticamente, este tempo de suposto desenvolvimento percebemos que, afinal, Fontes Pereira de Melo havia olhado a solução da industrialização e modernização de Portugal, partindo do fim para o princípio. Realmente, para ser sólido o desenvolvimento teria de ter começado por instalar indústrias e, só depois, em consequência do parque conseguido e como resultado das necessidades, rasgar-se-iam as vias de comunicação precisas. Nasceu mal a modernização do país, no século XIX, porque as vias de comunicação teriam de ter sido um efeito ao invés de uma causa.
 
Quando Portugal foi admitido na Comunidade Económica o Governo Cavaco Silva, ao receber ajudas financeiras, caiu exactamente no mesmo erro de Fontes Pereira de Melo: mandou que se abrissem auto-estradas onde antes existiam estradas, esperando que, assim, o interior se modernizasse e desse para fixar indústrias que faziam falta.
Ficaram as auto-estradas aparentemente sem trânsito, as populações fugiram para as grandes cidades do litoral onde se empregaram no sector dos serviços e o interior quedou quase deserto, sem agricultura, sem fábricas e com um comércio rudimentar. Depois do ilusório surto de desenvolvimento provocado pelas obras públicas, Portugal encolheu-se e o Estado passou a colmatar o deficit orçamental — fruto da existência de uma pesadíssima máquina de Administração Central que se engrossa face à necessidade de satisfazer os clientelismos partidários (algo herdado do século XIX) — com a venda ao desbarato do património nacionalizado em 1975, tal como a Monarquia já havia feito com a venda dos bens de raiz dos conventos e mosteiros nacionalizados em 1834.
 
Falta aos Portugueses e a Portugal um plano estratégico de desenvolvimento económico, mas, como qualquer estrategista sabe, as estratégias definem-se em função de dois grandes eixos: o estudo da situação presente e o estudo da História. Essas análises passam, depois, pelo real e rigoroso levantamento das fragilidades e dos pontos fortes próprios e alheios com o intuito de descobrir o caminho ideal onde o risco é menor e os resultados positivos têm menos possibilidade de serem anulados pela vontade dos oponentes. As estratégias económicas em Portugal falham e não têm dado bons resultados, porque quem as imagina e quem as estuda desconhece as lições da História. O passado foi sempre para os grandes generais — não esqueçamos que a “arte” da guerra desenvolveu e firmou o estudo da Estratégia — a sua primeira fonte de inspiração; se os nossos economistas estudassem com muito afinco e sentido crítico a História Económica recente de Portugal, ao contrário de desejarem copiar, sem reticências, receitas importadas do estrangeiro, talvez acertassem com os caminhos a seguir no futuro.
Já vamos tarde, todavia, a conjuntura de crise que no momento se vive é ainda propícia a escolhas e à definição de novos caminhos, mas tem de se ter em conta que uma estratégia económica de nível nacional exige continuidade no tempo e não pode estar sujeita às mudanças dos partidos políticos nas cadeiras da governação. Uma estratégia desse tipo terá de ser nacional e para tanto é preciso que se identifique com os superiores interesses da Nação. Ora, identificá-los e defini-los é outro ponto crucial da concepção da estratégia. Tem de se saber, sem margem para especulações, o que é o interesse da Nação.
 
O caminho é tortuoso, porque implica opções que passam pelas divergências doutrinais dos partidos que têm vocação governamental, contudo, há uma linha na qual todos podem estar de acordo: o interesse económico da Nação passa pelo bem-estar da classe média. Defina-se o que é e quem é classe média em Portugal; defina-se o que é o bem-estar da classe média. De posse desses grandes vectores estruturantes de uma estratégia enuncie-se o objectivo a atingir; depois estabeleçam-se os objectivos intermédios e estudem-se as políticas a desenvolver. Assim, talvez, se consigam remediar os erros do passado.
 
Teremos uma classe política capaz de estudar, traçar e executar uma estratégia que corrija as lições não aprendidas com a História? Tenho sérias dúvidas!