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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

28.04.07

Salazar: Messias ou Belzebu?


Luís Alves de Fraga

      

 
Tenho assistido com certa estranheza ao ressurgimento da figura de Oliveira Salazar no colectivo nacional. São concursos televisivos onde é elevado à categoria de Grande Português, são mensagens na Internet que sistematicamente o recordam e aplaudem, são escaparates nas livrarias com livros dos mais diversos autores em que o nome do líder do Estado Novo surge no título, são entrevistas na rádio onde se fala dele, são manifestações de partidos nacionalistas que, com maior ou menor visibilidade, o recordam e enaltecem, são, até, peças teatrais que sobem à cena. Cada vez mais se nos impõe o homem de Santa Comba Dão!
 
É um fenómeno estranho que não tem uma aparente explicação lógica. Na verdade, é tão ilógico o ressurgimento do velho ditador como ilógico será fazer a apologia ou defesa de um golpe militar para alterar a situação política nacional!
Como nesta última hipótese ninguém acredita nem aceita por inúmeras razões, a principal das quais resulta do facto de estarmos inseridos na União Europeia — bloco de Estados que se impõem a si mesmos a prática do regime democrático e pluralista — tendo, ultimamente, dado azo a punições disciplinares de militares por se manifestarem — segunda a argumentação governativa — de forma indigna, por atentar contra os princípios da obediência castrense, parece, salvo melhor opinião, que deveria haver, por parte dos poderes públicos, igual rigor contra quem, directa ou indirectamente, propagandeia a figura e os feitos de Salazar. Mas não há!
Ilógica a postura do Governo: pune os militares — porque, efectivamente, os teme — e fica inerte perante a apologia do ditador — porque parece não o recear!
 
Tudo isto leva-me a reflectir sobre o papel actual de António de Oliveira Salazar. Reflectir para compreender a posição de quem o incensa e a de quem deixa que tal aconteça.
 
Salazar só pode ser aplaudido por via da ignorância e da má-fé. Por mais nenhuma razão.
Ignorância, porque é preciso ser completamente desconhecedor do que foi a história do Estado Novo para louvar a acção governativa de Salazar.
Foi durante o seu longo consulado que os Portugueses se viram obrigados a parar no tempo, sujeitos a uma repressão cultural e social quase monástica.
Lembrar que em Portugal só ouve esplanadas junto dos «cafés» por exigência dos muitos refugiados que por Lisboa passavam vindos da Europa, no começo dos anos 40 do século passado, é recordar um dos mais insignificantes pormenores do provincianismo governativo de Salazar e dos seus apaniguados. Mas convirá ter presente que Salazar era contra a formação de elites intelectuais e, por isso, se num passo de magia ele ascendesse de novo às cadeiras do Poder — ele ou qualquer outro feito ele — a proliferação de cursos superiores acabaria de imediato: técnicos especializados, de preferência, poucos e alguns juristas para manterem a ordem instituída, médicos havê-los-ia nas cidades mais significativas e alguns nas vilas mais populosas. Com Salazar passar-se-ia a trabalhar até aos 70 anos de idade, quem fosse funcionário público, para auferir a pensão de reforma completa — em princípio, miserável — e 65 se dependesse da Segurança Social; subsídio de desemprego, de doença, de maternidade, de casamento e outras regalias menores deixariam de existir; comparticipação na aquisição dos medicamentos, por pequena que fosse, era coisa a acabar; reforma para trabalhadores rurais, empregadas domésticas e outros quejandos deixaria de fazer parte do imaginário nacional. O sábado seria um dia de trabalho semelhante ao anterior, o direito a férias constituiria uma benesse dada pelo patronato e não uma obrigação e o respectivo subsídio não passaria de um vago desejo na mente de quem dá o corpo ao manifesto.
 
Será necessário continuar com o rol de pequenas vantagens de que usufruímos só depois da morte política de Salazar e, em especial, depois de 1974?
 
Pensará alguém, em seu juízo perfeito, que Salazar permitiria o «deboche» de os namorados se beijarem livremente na via pública, se apalparem, se abraçarem? Que os motociclistas andariam a fazer «cavalinho» quando lhes desse na real gana? Que as discotecas funcionariam até ao raiar do dia? Que os alunos se mantivessem sentados quando o professor entrasse na sala de aula? Que cada um frequentaria o ensino secundário vestindo-se a seu bel-prazer? Que os homossexuais teriam liberdade de manifestarem as suas tendências e escolhas em público? Que armas brancas e de fogo fossem acessíveis a qualquer um? Que a droga se vendesse às escancaras nas esquinas mal afamadas de aldeias, vilas e cidades? Que se visionassem filmes pornográficos na televisão?
Quem julga possível a liberdade de todos estes «pequenos nadas» está completamente enganado. Tudo isso seria banido rapidamente da sociedade portuguesa através de uma poderosa máquina repressiva onde cada representante da autoridade tomaria para si um bom quinhão de ditador sem mais vantagens do que a de poder reprimir sadicamente o seu semelhante.
 
Tudo isto e muito mais a troco de quê?
De baixos salários arbitrariamente estabelecidos pelo patronato, de uma drástica redução das despesas públicas, afectando o funcionamento de todos os serviços.
 
Este é o verdadeiro retrato do Messias Salazar, o «salvador» pelo qual muitos começam a suspirar, dando largas à sua absoluta ignorância do que foram 48 anos de ditadura.
 
Com má-fé dirão alguns: — Os tempos mudaram; as coisas não seriam assim tão más… O «salvador» teria de se adaptar às novas realidades!
 
Como estão enganados! Os ditadores nunca se adaptam; os ditadores mandam que se a sociedade se lhes adapte. Eles são, por definição, os únicos detentores da verdade e do saber, da boa consciência, da melhor escolha. Quem se lhes opõe é gente que deve ser abatida como todo o cão raivoso: sem dó nem piedade.
 
Só por má-fé se pode desejar o regresso de um «salvador» que rapidamente mostraria a sua face de Belzebu, o seu ar diabólico. Só por má-fé se julgará que se iria fazer parte da «corte» do ditador e beneficiar dos seus favores.
É preciso gritar bem alto que os ditadores, os «salvadores das pátrias», não têm «cortes», têm servidores acéfalos e dispostos a tudo, menos a manifestar a sua própria vontade; servidores que são tão descartáveis como o papel higiénico depois de ter sido usado; servidores que quando deixarem a sua posição de subserviência, de atentos e venerandos, passam a inimigos — recordemos Henrique Galvão e Humberto Delgado, para citar os mais badalados.
 
É preciso ter consciência que o Messias das pátrias é o Belzebu das sociedades.
 
Por que razões não mandam os Governos mostrar as diferenças entre o passado recente e a actualidade? Por estarem entretidos na luta contra a oposição? Contudo, entretanto, cresce na sociedade o mito do Messias que é o caldo de cultura mais conveniente para ele surgir das trevas — porque não aparece de entre o nevoeiro… isso é lenda! — onde se guardam ou resguardam os demónios.
 
É tempo de desmascarar a ignorância e a má-fé.
É tempo de gritar a amplos pulmões que todos os desmandos democráticos são preferíveis a uma ordeira ditadura, venha ela de onde vier.
É tempo de exigir ordem na democracia sem lhe opor a ditadura e o ditador como remédio.
É tempo de acabar com os saudosismos bacocos.
É tempo de sabermos assumir colectivamente posições adultas, posições de contestação às tiranias e aos tiranetes.
É tempo de nos convencermos que todas as maiorias são formas disfarçadas de exercer a diabólica tendência de, parecendo Messias, ser Belzebu… O Belzebu possível em democracia, mas sem por isso, deixar de ter a seta no rabito e os corninhos na testa.
É tempo de sabermos discutir o Governo da Pátria de uma forma livre — não libertina — mas responsável.
É tempo de pôr fim à proliferação da ignorância por ignorância ou má-fé.
25.04.07

Um autarca e um general


Luís Alves de Fraga

 
Ontem, ia ao volante da minha viatura e ouvi uma estranha notícia na rádio: o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Pinto Ramalho, havia anunciado aos meios de comunicação social o reforço da guarnição militar de Beja com mais um batalhão operacional e a intenção de guarnecer militarmente Tavira — que foi em tempos um grande centro de formação de sargentos milicianos de Infantaria.
 
O locutor retransmitiu a satisfação do autarca de Beja por ver revalorizada a sua cidade com mais gente, dando-lhe uma maior importância, e ressaltou, com grande ênfase, a posição do autarca de Tavira — o activo político e ministro do tempo do cavaquismo — Macário Correia, que se refugiou no seu couto algarvio há já muitos, muitos anos. E a estação radiofónica reproduziu as palavras do autarca do PSD:
— Não era um qualquer general quem decidia se uma localidade passava a ter ou não mais militares; que, nos seus diálogos com o ministro da Defesa, estava garantido o contrário do que Pinto Ramalho afirmava.
 
É o despudor absoluto! É a arrogância elevada ao mais alto grau!
 
Quem julga que é o senhor engenheiro (a gente até já tem medo…) Macário Correia? Que importância a si mesmo se atribui? Que projectos escondidos tem este autarca de Tavira? Que sonhos acalenta à custa do património militar?
 
Saberá Macário Correia que qualquer Chefe de Estado-Maior dos ramos das Forças Armadas é responsável ao nível nacional — com repercussões internacionais — pela prontidão técnica dos meios que comanda? Saberá que é a ele quem cabe a escolha do dispositivo das forças que tem sob as suas ordens? Que é ele quem diz se uma unidade é mais necessária num determinado local do que noutro?
 
Pelos visto não sabe e não quer saber!
 
Claro que o mais elementar bom-senso leva a que existam um conjunto de decisões que os Chefes militares, ainda que as possam e davam tomar — por ser deles a exclusiva responsabilidade das mesmas — informem o ministro da Defesa, enquanto responsável político e não técnico, como é evidente. Ainda não chegámos ao ponto de as decisões militares, que estão orientadas para a prontidão dos meios, serem tomadas pelos políticos! Isso costuma acontecer em regimes ditatoriais.
Claro que, como é mais fácil fazer revoluções políticas do que revoluções de mentalidades, estas manifestações de políticos influentes só vêm provar que a cultura salazarista, a cultura ditatorial, a cultura fascizante ainda não foi completamente erradicada da cultura portuguesa depois de trinta e três anos de parlamentarismo. Ainda há por aí muita gente que se diz democrática, que ocupa até lugares com relevo no aparelho do Estado, portadora do terrível vírus autoritário inoculado neles, ou nos seus progenitores, no tempo do anterior regime. É que isto de democracia, mais do que nos livros ou na escola, começa por se aprender em casa. Em casa, meus senhores! É no leite materno e sentado à mesa paterna que se deglutem os primeiros sustentáculos de uma mente livre e democrática ou de um espírito retrógrado e autoritário.
Pelos vistos, o senhor engenheiro Macário Correia comeu autoritarismo em excesso!
25.04.07

Sonho realizado ou mentira disfarçada?


Luís Alves de Fraga

 
Foi há trinta e três anos que o Movimento das Forças Armadas libertou Portugal de uma ditadura que se arrastava havia quase cinquenta.
A esta hora, em Lisboa, pelo país, renasciam a esperança e o sonho.
As Forças Armadas estavam a devolver à Nação, ao Povo, a todos nós, a Liberdade.
O que fizeram do sonho e da Liberdade os políticos que nos governaram? Realizaram o sonho que há trinta e três anos desabrochava ou têm vindo a disfarçar, com um curto manto de verdade, uma mentira que nos impingem em todos os actos eleitorais?
Têm sido honestos? Ou meros aldrabões sem vergonha nem valor?
Os meus netos têm hoje pela frente um futuro mais promissor do que o tinham os meus filhos na noite de 24 para 25 de Abril de há trinta e três anos?
Este é o único termómetro capaz de medir o que os políticos detentores do Poder fizeram aos Portugueses.
Que cada um responda em consciência. Que cada um assuma as suas responsabilidades. Eles e nós que os elegemos!
24.04.07

Thinking Blogger Award


Luís Alves de Fraga
O «Fio de Prumo» recebeu a 24 de Abril do blogue «Do miradouro» o prémio Thinking Blogger Award, um selo para colar no próprio blogue, que promove a divulgação de memes (genes culturais de Richard Dawkins) e que implica a eleição de '5 Blogues Que Me Fazem Pensar'.

E os meus eleitos são:
  • «Livre e Humano», um blogue onde a sensibilidade anda paredes-meias com a verticalidade e profundo saber clássico;
  • «DEPROFUNDIS», um blogue leve, mas pleno de humor e sentido crítico onde o lado sério da Vida tem sempre um sabor especial;
  • «Mimo e maresia», um blogue cheio de ternura, sensibilidade e simpatia;
  • «APARAS DE ESCRITA», um blogue que, do lado de lá do Atlântico, de terras do Brasil, nos dá conta de como um Português olha outras realidades;
  • «VOZ SURDA», um blogue que durante quase dois anos procurou manter um canal de informação aberto para todos os navegantes da blogosfera poderem ter acesso ao que de mais notável acontecia em Portugal e, em especial, aos militares portugueses (esperamos que o seu autor reconsidere e retome a actividade que vinha desenvolvendo).
Parabéns, ganharam um  ! O «Fio de Prumo» agradece esta distinção ao amigo «Do miradouro» e, como não podia deixar de ser, a todos os visitantes deste blogue; amigos que, com as suas ideias e comentários, seriam igualmente merecedores, também, deste prémio.
«O Fio de Prumo» passa aos seus nomeados a honrosa obrigação de dar continuidade a esta cadeia de divulgação de blogues por cada um de vós eleitos.
12.04.07

Agente Técnico e Engenheiro Técnico


Luís Alves de Fraga

 
Não ouvi nem vi a entrevista de José Sócrates dada à RTV. Acho que não tenho de me justificar sobre os motivos. Contudo, vi e ouvi os comentários que foram feitos, logo de seguida, por vários comentadores.
Houve quem acusasse o primeiro-ministro de grave falta de carácter por permitir e deixar divulgar, associado ao seu nome, o título de engenheiro e houve, também, quem desvalorizasse o mesmo facto, atribuindo-o à euforia da juventude de José Sócrates quando foi deputado, em 1991.
 
Neste blog tenho deixado clara a minha opinião quanto à postura política do primeiro-ministro e secretário-geral do PS. Ninguém pode ter dúvidas quanto ao que eu penso a respeito de José Sócrates. Eis o motivo por que, em meu entender, muita gente está a criar um facto político à volta de um assunto que não deveria merecer mais do que duas ou três linhas no jornal dos mexericos nacionais.
 
É sabido que, antes da reforma do ensino na sequência da mudança política ocorrida depois de 25 de Abril de 1974, havia o chamado ensino médio — de comércio e de indústria — que habilitava para o exercício de funções de contabilista e de agente técnico de engenharia. Após a reforma, por extinção dos cursos gerais de comércio e de indústria, os antigos Institutos Comerciais e Industriais passaram a ministrar cursos de três anos e a habilitar com os alunos com o título académico de bacharel em Contabilidade e Administração e em Engenharia Técnica.
Na ausência de tradição recente no uso do título de bacharel todos os diplomados «subiram» um degrau académico e passaram a ser designados por Drs., os bacharéis em Contabilidade e Administração e por Engs., os bacharéis em Engenharia Técnica.
 
É aqui que muita gente está a ser desonesta ao explorar o risível «caso do Eng. José Sócrates». Claro que o homem se intitulava Eng., porque era Engenheiro Técnico e era e é assim que os seus colegas do ISEC (Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, cuja fotografia encima esta crónica) se intitulam e deixam intitular. Tão simples como isto. Não são engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros, mas são Engenheiros Técnicos diplomados com o bacharelato pelos respectivos Institutos, que até, oficialmente, se designam de Engenharia.
 
Era isto, com simplicidade linear e frontal honestidade que o bacharel em Engenharia Técnica e licenciado em Engenharia Civil José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, deveria ter explicado a todos os Portugueses:
— Sou engenheiro, porque por tradição e erradamente, neste país se chama engenheiro aos bacharéis diplomados pelos Institutos Superiores de Engenharia! Mal ou bem, para o mal ou para o bem, usei um título tradicional entre os meus colegas de formação!
 
Por que motivo José Sócrates não optou por dar esta explicação que toda a gente compreenderia e que lhe granjearia uma imagem de homem simples e honesto? Por que razão os seus apaniguados de partido não explicam assim o patético episódio do engenheiro José Sócrates?
 
Para mim, são as respostas a estas duas perguntas que me fazem confusão. Tudo o mais não interessa, porque está explicado por natureza.
09.04.07

Salazarismo, insegurança ou ignorância?


Luís Alves de Fraga

 
Há já algum tempo — no rescaldo da famigerada votação dos «Grandes Portugueses» — o Correio da Manhã publicou uma notícia na qual se pretendia fazer a análise dos resultados e das primeiras impressões.
 
Ainda não se apagou o «fogo» das paixões desencadeadas pelo referido concurso: as hostes salazaristas andam «embandeiradas em arco» com o resultado da votação, segundo eles, legitimadora daquele que pouca ou nenhuma legitimidade teve em vida. Mas não é sobre Salazar que quero escrever hoje e aqui.
 
Estou mais preocupado na análise deste fenómeno perfeitamente espúrio de parte da sociedade nacional.
Segundo o matutino que venho referindo, em dez semanas de concurso houve qualquer coisa como 214.972 chamadas telefónicas para conduzir à votação final, das quais 65. 290 foram feitas para votar em Salazar, sendo que, na sessão final assistiram ao programa cerca de 656.300 telespectadores. Ao todo, as pouco mais de duas centenas de milhar de votantes gastaram, em chamadas telefónicas, cerca de 129.000 € ou seja, em moeda antiga, 25.000 contos. Note-se o disparate desta mobilização só possível, porque a capacidade imaginativa de quem dirige os programas televisivos está embotada e incapaz de encontrar soluções originais para entretenimento dos Portugueses, recorrendo a modelos importados do estrangeiro (pelos quais se pagam elevados direitos de autoria, claro!).
 
Afinal, qual foi o valor acrescentado que este programa trouxe aos Portugueses de hoje, à sociedade que se debate com uma tremenda crise de desemprego, onde se fecham serviços de urgência, maternidades, escolas, se reduzem as comparticipações com a saúde pública? O que é que se adiantou com um tão estúpido concurso? Fazer vir à tona dois sentimentos: o já conhecido descontentamento com a classe política nacional, associando-lhe o desagrado com a condução dos negócios públicos e, também, a possibilidade de um punhadito de saudosos de Salazar se manifestar. Por arrastamento, veio dar a possibilidade a uma extrema-direita revanchista, xenófoba e nacionalista de mostrar uma nojenta garra desejosa de sangue e desordem, que é o caldo de cultura onde se desenvolvem esses excrementos sociais. Nada mais se ganhou com o estúpido concurso conduzido por Maria Elisa (agora mais visivelmente, Domingues). Por outras palavras, e porque o que antes disse não representa lucro social, só se perdeu.
 
Mas vejamos a mobilização conseguida. Participaram activamente, dispondo-se a gastar o seu dinheiro, 214.972 pessoas (admitindo que o mesmo cidadão não bisou as ligações telefónicas, porque se tal ocorreu a estupidez cresceu na razão inversa do número de chamadas feitas!). E tudo isto custou aos bolsos de quem a tal se dispôs 25.000 contos!
Imaginemos o tipo de instituições sociais que poderiam ter recebido este dinheiro para as tirar do afogo em que vivem! Quantos computadores se poderiam ter comprado para escolas onde os alunos se debatem com falta de um instrumento que é já uma ferramenta do dia-a-dia? Não, a RTP preferiu que os Portugueses gastassem, evaporassem, pateticamente, uma parte do seu dinheiro no mais ridículo concurso que se levou a cabo nos últimos anos em Portugal!
 
Onde está o Portugal e os Portugueses que, em 1890, na sequência do célebre Ultimato britânico, foram capazes de se cotizar para adquirir um cruzador para a nossa Armada? Por onde andam o Portugal e os Portugueses que, poucos anos após a proclamação da República, por iniciativa do jornal O Século, se cotizaram para comprar o primeiro aeroplano para ser oferecido ao Exército? Onde estão? E repare-se que o índice de analfabetismo absoluto era, nesses tempos já recuados, da ordem dos mais de 75%! Quer dizer, por comparação rápida, os Portugueses de hoje, para além de estarem francamente mais alienados do que os seus avós e bisavós, estão mais ignorantes, muitíssimo mais ignorantes! Disso não podemos ter dúvidas imediatas. Ou será que, para além de alienados e ignorantes estão, também, como já disse em anterior comentário, temerosos, receosos, inseguros quanto ao futuro que se adivinha?
Se esta última hipótese tem, ainda que vago, fundamento de verdade, os governantes devem sabê-la interpretar para arrepiarem num caminho perigoso de prosseguir.
03.04.07

Ser ou não ser engenheiro


Luís Alves de Fraga

 
Tenho sido bombardeado de toda a maneira — na rádio, na televisão, nos jornais, na Internet — com a extraordinária problemática de José Sócrates ser ou não ser engenheiro.
 
Confesso que estou farto. E estou farto, porque neste país de muitos analfabetos e de elevado grau de iliteracia, se dá importância excepcional ao facto de se ter ou não ter um grau académico do falso nível de Dr. — falso, na medida em que todos quantos respondem a esse título são meros licenciados, às vezes mestres.
 
Se ser licenciado em engenharia não é o mesmo que ser-se engenheiro isto representa, para a grande maioria dos portugueses, uma questão difícil de explicar, porque, afinal, todos vivemos num país de faz de conta. País de faz de conta?!!!!
 
Mas está claro que é assim, tal e qual como acabo de dizer!
Porque é que José Sócrates não se há-de intitular engenheiro se, para o fisco, os grandes empresários, os bancos, os administradores e gestores públicos quase são mendigos? Se toda a gente diz a sua mentira fiscal — a começar nas empregadas domésticas que não passam recibo verde e não estão colectadas até aos médicos que, afinal, são simples sócios de «empresas» onde exercem a sua actividade clínica — qual a razão por que Sócrates não pode dizer que é engenheiro? Aliás, já viram a dificuldade que se passa a ter chamando-lhe licenciado José Sócrates! Ou, então, senhor licenciado José Sócrates? Não dá jeito!
 
Como todos somos coniventes com as aldrabices de todos — quando aceitamos ir almoçar à tasca da esquina e não exigir a factura devidamente certificada ou liquidar ao mecânico a revisão do automóvel sem pedir o comprovativo legal do pagamento que fizemos — que justificação arranjamos para embirrar com o engenheiro/licenciado José Sócrates?
 
Deixem o homem em paz! Chamem-lhe qualquer coisa, mas de preferência não lhe chamem socialista, nem líder de um partido de esquerda. Isso não! Isso ele não é! Podem chamar-lhe aldrabão, mas tenham cuidado, verifiquem bem as últimas mentiras que disseram ou as últimas aldrabices com as quais foram coniventes, pois não há maior mentira do que a de se mentir a nós mesmos!