A carta e o CEMGFA ou a hora da despedida
O texto seguinte, que já foi lido não imagino por quantas pessoas, peca por um gravíssimo erro que não posso deixar de colocar em destaque: parti do princípio que se tratava de uma carta e, ainda por cima, da exclusiva autoria do almirante Mendes Cabeçadas. Não é assim, tal como a AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas) vem esclarecer.
Transcrevo parte do comunicado daquela Associação:
«Os meios de comunicação social deram ontem ampla divulgação à posição do Conselho de Chefes de Estado-Maior (CCEM), assumida na reunião de 26 de Outubro passado e transmitida ao Ministro da Defesa Nacional (MDN) em memorando assinado pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), em que se afirma que “a recente tendência de igualização dos militares a funcionários civis contribuirá necessariamente para que sejam minados os fundamentos éticos dos deveres militares”.
Antes de mais, não pode deixar de se saudar a posição do CCEM, uma vez que ela indicia claramente estarem os Chefes Militares em convergência com as enormes preocupações que a AOFA, há mais de um ano, vem, repetidamente, trazendo a público, solicitando ao MDN, em simultâneo, a urgente resolução dos problemas que lhes estão subjacentes.»
Fica a emenda com o meu pedido de desculpas ao almirante Mendes Cabeçadas por ter tecido considerações sobre matéria que julguei da sua exclusiva responsabilidade
Apresento, também, o meu pedido de desculpas a todos os leitores a quem poderei ter induzido em erro e em mau julgamento.
Pelo facto de ter errado, acho que não devo esconder a matéria do meu erro, pelo contrário, fica exposta, mas antecedida do esclarecimento que acima deixo. Tentarei ser mais cauteloso nas futuras tomadas de posição.
O general GEMGFA (Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas) — almirante Mendes Cabeçadas — está de despedida. Acaba brevemente o seu mandato.
Se alguma coisa ressalta, para a opinião pública militar, da actividade deste almirante enquanto CEMGFA, é a ideia de grande capacidade de concordância com os diferentes Governos com quem serviu. Um homem a procurar uma boa relação com o Poder Político e uma indiferente relação com as Forças Armadas. Afinal, já há muito que se diz: «Mal com o Povo por amor d’El-Rei; mal com El Rei por amor do Povo». Parece que o senhor almirante terá escolhido a primeira parte do aforismo! Contudo — há sempre um “contudo” que salva muita gente — antes de abandonar o cargo, eis que escreveu ao ministro da Defesa Nacional uma carta. São as cartas redentoras!
Escreveu e disse o que já deveria ter dito há mais de um ano. Mas deveria tê-lo dito de maneira a que nós, a rua, ouvissemos tal como ouvimos agora. E agora ouvimos, porque o senhor almirante fez por isso. E porquê?
Por causa da tal carta redentora de todos os pecadilhos por omissão que terá cometido nos últimos anos, o almirante Mendes Cabeçadas parece entrar na inactividade de serviço tranquilo com a sua consciência.
Na minha opinião não é bem assim. Poderia e deveria, muitíssimo mais cedo, ter usado de toda a sua força moral para «jogar» duro junto do Governo, chegando até às últimas consequências, isto é, ao pedido de demissão do alto cargo que ocupou. Não o fez por razões que não me vai explicar nem aos militares deste país. Limita-se a deixar, na última hora de desempenho de funções, a impressão de que, afinal, terá, em tempo devido, apontado aos governantes os maus caminhos que percorriam. Mas, estranhamente, o almirante Mendes Cabeçadas vai um pouco mais longe na «jogada» tardia que deixou transparecer para a opinião do grande público militar e civil. Vai mais longe, porque «encrava» o novo CEMGFA. Com efeito, o general Valença Pinto — que passa de CEME para o Restelo — ou dá continuidade à atitude do seu antecessor ou se cala e nada deixa transparecer para fora do seu gabinete e, nestas circunstâncias, oferece de si mesmo uma imagem de cautela excessiva e de desinteresse pelo futuro das Forças Armadas. Excelente armadilha colocada no caminho de quem começa!
Cá estaremos para ver como o novo CEMGFA reage. Garantida já tem a indisposição de todos os militares no activo e a revolta dos da reserva e reforma.