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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

27.04.06

Trinta e dois anos depois...


Luís Alves de Fraga

 

No dia de hoje, há 32 anos, Portugal começava a viver a euforia do pós 25 de Abril. Começava a acordar e a aperceber-se de toda a extensão do golpe militar que havia dado a Liberdade de fazer tudo... até uma série de asneiras políticas, sociais e económicas! Mas em Portugal o Povo — essa massa anónima, quase sempre inconsciente e inimputável — ainda não havia começado a desunir-se, a desgarrar-se, defendendo verdadeiros e falsos interesses de grupo.

Para mim, um jovem de trinta e três anos, já calejado pelas pesadas responsabilidades que a hierarquia militar me lançara sobre os ombros havia nove, no cumprimento da segunda comissão em África, a concretização do golpe foi o acordar para uma nova realidade que, sabia, não ia ser fácil. Eu esperava, tinha a certeza que o regime estava incapaz de durar muito mais tempo. A guerra era um cancro a minar-nos os fracos alicerces sociais, económicos e políticos. A contestação juvenil, nas universidades, indiciava de forma bem evidente o fim de uma época. Conhecia-a, porque, então, entre comissões nas colónias, me havia matriculado no ensino superior e convivia com os meus colegas de curso. Era, até, olhado, por alguns, de soslaio... Militar era gente em quem não se tinha confiança!

       

 

Abril foi um grito de alegria. Maio começou a definir rumos. Setembro clarificou posições — uns queriam correr para uma sociedade justa, mas não sabiam como se fazia; outros desejavam marcar passo, manter regalias alcançadas no passado, travar o andamento aos mais ousados. Janeiro trouxe os acordos de Alvor e o destino de Angola. Março definiu o caminho irreversível da democracia. Abril viu eleita a primeira Assembleia Constituinte desde o começo do século. Julho e Agosto foram os meses em que se fez crer que o comunismo ia controlar a Revolução. Novembro desmantelou a extrema esquerda perseguiu os comunistas e iniciou a via da tranquilidade.

      

 

Entre Março e Novembro de 1975 viveu-se aquilo que alguém, na semana passada, chamou, Os dias loucos do PREC. Parece-me, no entendimento dos tempos que vivi, que a loucura não tomou posse da sociedade portuguesa nesses meses. Não. Se houve loucura tratou-se de uma saudável demência, porque foi nesse fervilhar de paixões políticas que se delimitaram os projectos em confronto; gerou-se a tranquilidade subsequente. Sem a paixão não teríamos democracia, nem liberdade, nem desatino.

Desatino, pois quando tudo parecia regressar à «normalidade» os Governos «normais», lentamente, alteraram e descaracterizaram os ideais de Abril de 1974.

Trinta e dois anos depois — para mim são poucos, mas para os jovens de quarenta são muitos — já se não tem rebuço de espécie nenhuma em exigir que caiam da Constituição Política as últimas linhas que fazem lembrar os desejos de justiça social com os quais nós, nós os capitães de Abril, sonhámos numa alvorada redentora. Queríamos um socialismo livre, justo e equilibrado. Queríamos uma sociedade onde coubessem todos os Portugueses sem complexos de diferenciação. Sem grandes barreiras financeiras a separá-los.

       

 

Cavaco Silva, o Presidente da República, sem cravo na lapela, foi, na manhã do dia da Liberdade, ao Parlamento, símbolo da vontade livre do Povo, dizer que «Os Portugueses esperam dos políticos, que livre e democraticamente elegeram, que estejam à altura dessa exigência, que se empenhem em dar uma nova esperança aos mais desfavorecidos da nossa sociedade, que cooperem no sentido de mais facilmente poderem superar as dificuldades e naturais divergências ideológicas».

O que é isto, meu Deus?! O discurso do pároco da freguesia? As palavras de um qualquer Tartufo? Como é possível ter-se sido primeiro-ministro durante dez anos, ter invertido o sentido de uma democracia que desejava avançar para a justiça social e, agora, clamar-se pela melhoria de vida dos mais desfavorecidos de todos nós? Será que Cavaco Silva já esqueceu que foram nos anos do seu Governo que as maiores fortunas, saídas do nada, se fizeram em Portugal?

Esta falsa viragem à esquerda do Presidente da República é um jogo manhoso em que ele e o primeiro-ministro se juntam para se cobrirem — mal — com a pele de cordeiro que serviu para Guterres usar durante alguns anos.

«(...)a melhoria da justiça social, o combate à pobreza e à exclusão exigem que o país volte a ganhar a batalha do investimento, do crescimento económico, da criação de riqueza, sem o que o sonho continuará adiado», disse Cavaco Silva.

É um economista, um professor de economia, quem afirma isto aqui e agora, referindo a este pobre país?! Quando, em Portugal, se alienaram os mecanismos capazes de permitir uma intervenção correctora da economia, ao ter-se entrado alegremente no «pelotão da frente» da moeda europeia, vem-se, nesta altura, propor o crescimento económico para combater a exclusão e a pobreza?! Mas até um cego, um ignorante, um retardado, percebe que todos nós caminhamos para a exclusão e para a pobreza numa Europa que ambiciona, para benefício de muito poucos, um salto pleno na globalização e no neo-liberalismo.

Foi de muito mau gosto o Presidente da República querer enganar-nos no dia da Liberdade, no dia em que nós, os militares de Abril, tudo arriscámos (uns mais outros menos) para acabar com a exclusão, com todas as exclusões. Não é justo!

 

21.04.06

Um Estado vigarista e ditatorial


Luís Alves de Fraga
É tempo de chamar as situações pelos nomes certos. O Estado português é vigarista e continua a agir ditatorialmente.
Não se aflija o meu leitor por me julgar demente ou irresponsável. Não. Sei o que estou a dizer e, se calhar, no final da leitura, concordará, em absoluto, comigo. Poderá, eventualmente, não querer correr os mesmos riscos que corro, mas que vai concordar, tenho quase a certeza.
Vamos, pois à explicação que me ilibará de toda e qualquer culpa e, em simultâneo, porá a claro o meu libelo contra o Estado.
Em Outubro de 1961 comecei a descontar para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) a percentagem que a lei de então me impunha. Até hoje não mais deixei de cumprir com o compromisso que livremente assumi. Quando estive nas colónias e, por força da legislação da época, auferia, para além do pagamento mensal correspondente à minha graduação militar, uma gratificação relativa ao facto de me encontrar colocado em um território de além-mar e em situação de campanha — não era nada de excepcional, ao contrário do que muita gente imaginava (em 1966 representava cerca de 65,6% do meu soldo de alferes, ora, como fiquei a pagar o arrendamento da minha casa, em Lisboa, que correspondia a 36% do mesmo soldo, lucrava 29,6%, em valores ilíquidos). Sobre a totalidade (cinco mil e cem escudos, qualquer coisa como vinte e cinco euros e quarenta e quarto cêntimos) fui obrigado a descontar, durante o tempo de África, para a CGA. Por duas vezes, tantas quantas estive em comissão de serviço nas colónias, os valores arrecadados pela CGA foram superiores aos rendimentos habituais do meu posto na Força Aérea. Aconteceu comigo e com todos os militares e funcionários públicos que prestavam serviço cá ou lá. Tínhamos, julgávamos então, assegurada a nossa pensão de reforma calculada segundo uma fórmula aparentemente justa: o número de anos de serviço multiplicado pelo valor do vencimento à data da passagem à reforma a dividir por trinta e seis (número máximo de anos de serviço para ter direito à totalidade da remuneração de reformado... quem trabalhava mais não auferia mais por isso!).
Mas o Estado impunha, já nessa altura, para quem era empregado em actividades privadas um desconto para a Segurança Social, também para o trabalhador receber, quando deixasse de poder ser um elemento activo, uma reforma. Havia, e há, contudo, uma «ligeira» diferença: é que a contribuição para a Segurança Social (SS) era, e é, repartida por duas entidades: o empregado e o empregador, em percentagens diferentes.
Começa aqui a desonestidade do Estado: obriga os empregadores privados a um tipo de contribuição de que se exime de fazer para a CGA. Como entidade empregadora o Estado coloca-se acima das leis que impõe aos restantes empresários! Poderá dizer-se que isso é uma herança do tempo de Salazar, todavia, trinta anos deveriam ter sido suficientes para o Estado democrático haver corrigido um grave desvio comportamental. Não o fez, porque iria sair prejudicado, porque, como a cigarra da fábula, cantou, cantou e de cantar nunca parou! Preferiu optar por se manter ditatorial num regime democrático!
Felizes seríamos todos nós, os que dependem da CGA, se ficasse por aqui a «diabrura» deste Estado «espertalhão», «ditatorial» e «irreverente». Realmente, vai mais longe a vigarice. Vejamos.
Supostamente, cada vez que um trabalhador do Estado lhe entrega a percentagem estipulada como contribuição para a sua pensão de reforma é para ele (Estado), através da CGA, gerir de forma rentável essa espécie de poupança forçada imposta a cada qual. E gerir não quer dizer guardar sem aplicar de forma rentável. Não, quer dizer exactamente o contrário, isto é, tal como nós, cidadãos, fazemos quando procuramos a melhor forma de conseguir rendimentos para as poupanças que alcançamos, deveria o Estado determinar os investimentos convenientes para, a uma excelente e segura taxa de juro, rentabilizar a contribuição que lhe foi entregue com o fim de nos ser devolvida quando deixámos de poder trabalhar para ele. E note-se que, se em regra, se é reformado depois de trinta e seis anos de trabalho isso equivale a uma idade rondando os cinquenta e seis. Ora, em média e de acordo com a tendência actual, qualquer um de nós não ultrapassará o setenta e seis anos. Assim, ficará a receber vinte anos uma pensão para a qual descontou durante trinta e seis. Mas tudo se agrava quando o Estado, arbitrariamente, estabelece a idade de 65 anos para obtenção de reforma completa, pois não só alonga o período de descontos como encurta o de recepção de reforma. E tudo isto porquê? Porque o Estado nos vigarizou. Vigarizou, porque, ao contrário de colocar o nosso dinheiro a render para obter boas capitalizações, o desbaratou como melhor entendeu, actuando como um mau gestor que abusa da confiança de quem julgava tê-lo como pessoa de bem.
Se o Estado tivesse agido como bom administrador não argumentaria hoje, à boca cheia, com as razões nossas conhecidas: é menor o número de trabalhadores que o de reformados, daí terem de se tomar medidas contra estes últimos! Não argumentaria, porque os descontos dos actuais funcionários do Estado deveriam estar a ser capitalizados para poderem cobrir, daqui por várias dezenas de anos, as pensões de reforma daqueles que agora são elementos socialmente activos. O Estado Português não é entidade de bem; comporta-se ditatorialmente, vigarizando quem nele confia.
Ainda acha o leitor que sou demente e irresponsável?
E se colocássemos uma acção na Justiça contra o Estado Português?!
13.04.06

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário


Luís Alves de Fraga
Sou agnóstico. Há muito anos, as minhas dúvidas sobre o Ente complexo a que o Homem resolveu chamar Deus instalaram-se na minha mente. Gostava de poder compreender esse Conceito, abarcá-Lo com a minha racionalidade, explicá-Lo com o prolixo discurso. Quando penso que estou capaz de O compreender Ele foge-me e torna-se distante e abstracto.
Na minha juventude fui católico praticante, fervorosamente praticante. No rondar dos vinte e um anos perdi — como se dizia, então, nos meios que frequentava — a Fé. Voguei durante vários lustros nesse limbo rente ao ateísmo, até ao momento em que, fruto de circunstâncias várias, optei por me definir como um agnóstico consciente — aceito a existência de uma «ordem» universal, um «não acaso», passível de ser chamado Deus e impossível de ser aprisionado por qualquer homem ou qualquer religião (isso quebrar-Lhe-ia a condição divina), incapaz de ser explicado e de ser compreendido (isso retirar-Lhe-ia a omnipotência). Mas sendo agnóstico, ou talvez por ser agnóstico, respeito, tolerantemente, todos quantos preferem aprisionar um deus, chamando-lhe seu e inventando determinações que acreditam ser ditadas por ele. Respeito e tolero até ao limite em que a sua crença não se torna impositiva, obsessiva e obstrutiva do direito de livre opção ou, por outras palavras, alienante.
Ora, vem tudo isto a propósito de uma cerimónia para a qual o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, o meu Amigo general Taveira Martins, fez o favor de me convidar: a apresentação pública do livro Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Templo da Força Aérea Portuguesa.
Acontece que a igreja em questão fez parte da minha juventude — nela orei e vivi momentos importantes: foi lá que fui padrinho de Crisma de dois condiscípulos mais novos — porque era o templo contíguo ao Instituto dos Pupilos do Exército — que frequentei na década distante de 50 do século passado. Aliás, uma parte do Instituto ainda ocupa as velhas paredes do convento dominicano de Benfica. Antes de a Força Aérea «ter conhecido» o seu templo conheci-o eu.
O livro está cuidadosamente ilustrado e recolhe a história da igreja, bem como consegue apresentar uma enumeração exaustiva dos diferentes túmulos de campa rasa que recheiam o seu interior. A família Mascarenhas — da Casa de Fronteira e Alorna, cujo palácio está muito próximo — tem ali sepultados variadíssimos ascendentes. Lá repousam, em túmulo com estátua jacente, por trás do altar-mor, os restos mortais do Doutor João das Regras, figura de burguês e homem de leis do século XIV que defendeu, em cortes, a legitimidade de D. João, mestre da Ordem de Avis e filho bastardo de D. Pedro I, como pretendente ao trono de Portugal. No convento anexo viveu e morreu Frei Luís de Sousa.
Durante a cerimónia de apresentação da obra que decorreu com grande simplicidade, mas de modo muito digno, foi evocada a memória do antigo capelão da Força Aérea, o padre Pedro, aquele que, movendo e arredando todas as dificuldades, conseguiu para o seu Ramo a atribuição do templo de Nossa Senhora do Rosário.
Conheci-o em Moçambique, no início dos recuados anos 70 do século passado. Era um entusiasta, um camarada. Tratávamo-nos por tu — um tu respeitoso — não sei se por sermos capitães, se por sermos colegas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Ambos nos licenciámos naquela instituição; com uma diferença: é que o Pedro era duplamente licenciado. Na sua insaciável sede de saber, ocupou o tempo estudando, sem fazer alarde dos diplomas conseguidos. Para além de meu colega — no âmbito académico — e camarada, o Pedro era um Amigo a quem respeitava e admirava. Acima de tudo, ficava, quando o via, espantado com a sua inquebrantável força de viver, saudável alegria e extraordinária capacidade de realização. Era um Homem cujas virtudes humanas apetecia tomar como modelo.
É curioso que, dos vários capelães com quem me cruzei em mais de quarenta anos de oficial, sempre colhi, de quase todos, uma excelente opinião, recordando com saudade dois deles, em particular: o padre Almeida, homem de uma integridade absoluta, transmontano dos quatro costados, capaz da chalaça brejeira, mas sério nas suas convicções — que morreu vítima do cancro que o minava e a quem, a última vez que o vi, conscientes ambos que seria a última, ousei pedir autorização para o beijar como o faria a um irmão mais velho, abraçando-nos com lágrimas nos olhos— e o padre Bernardo, também transmontano, mas diferente, por viver com uma tranquilidade profunda e uma abertura de espírito quase total onde a tolerância se sobrepunha a qualquer laivo de radicalismo imposto pela hierarquia eclesiástica — sabia que os «rebanhos» castrenses requerem uma virilidade e uma paciência muito próprias. Mais alguns conheci no meu longo caminhar pela Força Aérea, mas foi efémera — embora não negativa — a lembrança que me deixaram.
É pena que entre nós ainda se reserve tratamento especial aos sacerdotes da Igreja Católica Apostólica Romana, nas Forças Armadas, dando-lhes capelanias e privando outros credos de gozarem de igual privilégio. Bem sei que é voz corrente serem os Portugueses maioritariamente católicos romanos, mas já se justificava a abertura de possibilidades para outras práticas religiosas. Seria saudável e traria vantagens o ecumenismo nas fileiras e todos nós, militares, ganharíamos com isso.
11.04.06

Serviço militar voluntário


Luís Alves de Fraga
O jornal Correio da Manhã, no dia 10 de Abril, deu a conhecer o resultado de um estudo levado a cabo pelo Fórum Sociológico da Universidade Nova de Lisboa intitulado «Os Jovens e as Forças Armadas». Em resumo, concluía-se aquilo que todos nós, militares «de outros tempos» já sabíamos há muito como fruto da experiência alheia!: só escolhem optar pelo serviço militar voluntário os jovens com menores aptidões intelectuais e, eventualmente, aqueles que possam rondar situações de marginalidade social.
Como disse, isto para mim não constituiu novidade, tal como também não para o general Loureiro dos Santos (entrevistado pelo matutino).
É evidente que a conclusão tem de ser analisada, evitando-se as generalizações perigosas. Assim, devemos separar os voluntários que optam por ingressar nas Academias militares, destinados a oficiais dos quadros permanentes, dos restantes que escolhem uma forma de voluntariado de duração mais curta (podendo ir, normalmente, até aos oito anos de serviço).
Em princípio, a capacidade intelectual dos candidatos às Academias é testada previamente e só são admitidos aqueles que oferecem garantias de concluir os cursos com êxito; a prova está, cada vez mais, à vista quando verificamos que muitos jovens oficiais tudo fazem para obter graduações académicas civis de modo a ficarem mais aptos para o desempenho das funções castrenses. Há quinze anos, na Força Aérea, não chegavam a cinco os oficiais do quadro permanente com o grau de mestre; hoje, contam-se pelas dezenas e mais alguns doutorados. O mesmo acontece no Exército e na Armada. O ingresso nas Academias ainda continua a ser fruto de uma vocação e não um recurso. O mesmo não se poderá dizer dos jovens voluntários para uma prestação de serviço profissional de curta duração.
De entre todos os jovens que se oferecem para servir nas Forças Armadas — embora sujeitos, também, a testes psicotécnicos — raros serão aqueles que o fazem com o determinado desejo de prosseguirem uma carreira militar. Para eles as fileiras são uma forma de solucionar um problema imediato e no imediato: a falta de trabalho. Alguns, provavelmente, depois de conhecerem o serviço militar, desenvolvem o gosto pela carreira militar e poderão, se tiver condições para tal, vir a ingressar nos quadros permanentes mediante a prestação das provas impostas. Seja como for, a opção pelo serviço voluntário é, quase sempre, um recurso.
Este sistema de manutenção das Forças Armadas tem poucas vantagens e, concomitantemente, inconvenientes tremendos.
O facto de, cada vez mais, os armamentos se irem sofisticando e, por isso, exigirem operadores melhor preparados não supera as desvantagens de um serviço militar voluntário. Este, mais tarde ou mais cedo, acaba ganhando «vícios» de mercenário, altamente perigosos para a efectiva defesa dos interesses nacionais. Citando alguns daqueles, poderia realçar: exigência de salários cada vez mais elevados permanentemente contrariada pelos sucessivos Governos que não reconhecem valia na actividade militar; regalias de horário ou de menor empenhamento na missão (como exemplo, cito o caso do condutor de um oficial general que, fora das horas — que procura sejam poucas — exerce funções de empregado de mesa numa empresa de restauração); desinteresse pelo cumprimento das obrigações e objectivos que lhe forem consignados por saber que a curto prazo terminará o seu contrato. Estes são os mais evidentes. Outros haverá.
O voluntariado facilitou o ingresso de mulheres na função militar. Essa saudável abertura constitucional gerou uma perversão no sistema. Realmente, a mulher militar não pode e não deve abdicar da possibilidade de ser mãe. Todavia, a gravidez, o parto e o pós-parto são situações totalmente aberrantes no conceito de vida castrense. Aberrantes, porque obrigam à concessão de regalias e vantagens que se reflectem no desempenho da missão. Se o serviço militar fosse obrigatório para os jovens do sexo masculino e voluntário para os do sexo feminino, poder-se-iam impor regras aplicáveis a estes de modo a que situações consideradas marginais ao desempenho da actividade castrense implicassem na imediata passagem à disponibilidade, não interferindo com o serviço rotineiro nem com o de campanha. Ao contrário, na situação de serviço militar apoiado no exclusivo contrato de voluntários não tem cabimento qualquer forma de descriminação.
O sistema de conscrição, para além de constituir um dever e um direito — indeclinável, porque cabe a todo o cidadão do sexo masculino defender a Pátria como obrigação, mas também como regalia que lhe consolida o sentimento de pertença a um grupo nacional — pode servir como regulador do desemprego, amortecendo a falta de oferta de trabalho no mercado, em momentos de crise, com a simples medida de aumento do tempo de serviço nas fileiras. Na realidade, os gastos do Estado não se elevam significativamente por manter no activo, por mais meses, uns quantos milhares de jovens até se encontrarem soluções que permitam libertar contingentes preparados para enfrentar a procura labor civil. Não fazendo a apologia da guerra colonial, verifico que a taxa de desemprego durante treze anos teve sempre tendência a reduzir por via dos elevados números de jovens empenhados no serviço militar. Como é evidente, não estou a defender uma estadia nas fileiras por uns ridículos quatro meses! Isso era dinheiro gasto sem proveito de qualquer espécie. Tudo o que for inferior a dezoito meses constitui um prejuízo para o Estado e até para o conscrito.
A História Militar de Portugal está cheia de exemplos de completo desinteresse pela actividade militar e defesa... Depois, nos momentos de grande aflição, teve de se socorrer de muito improviso e da subordinação ao espírito organizativo de generais estrangeiros. Esta cultura antimilitarista nacional, em democracia, deveria ser combatida pelos Governos, mas, ao invés, é por eles facilitada. Trata-se de uma perversão de mentalidades assente na «necessidade» que os políticos portugueses demonstram de não prestigiarem as Forças Armadas. Ora, tal facto resulta do esquecimento de que a imagem nacional se projecta no exterior através de duas actividades profissionais: a dos diplomatas e a dos militares. Aos primeiros cabe a representação por meios pacíficos e aos segundos por meios bélicos. Não é apostando na prestação de um mau serviço militar que os políticos portugueses beneficiam a Nação!
07.04.06

Será verdade?


Luís Alves de Fraga

O mundo abriu-se à autenticidade e à aldrabice com o livre acesso à Internet. Os boatos propagam-se à velocidade da luz e implantam-se perante os nossos olhos com a força de verdades absolutas. Basta receber os vulgares e-mails. São as piadas inocentes, as mais «pesadas» e a pornografia pura que circula de caixa de correio para caixa de correio. Por vezes, chego a receber a mesma mensagem, vinda de remetentes diferentes, sete, oito, nove vezes. Tendo passado pelo processo revolucionário português já com idade suficiente para perceber, muito bem, que uma mentira repetida centenas de vezes não se transforma num verdade, o certo é que também sei que a repetição abala as convicções do mais céptico cidadão.

Ora, mentiras ou verdades, as «notícias» «desaguam» no monitor do meu PC e deixam-me desconfiado.

Há talvez cerca de quatro ou cinco semanas começou a circular uma «notícia» alarmante sobre a transmissão de emissões electromagnéticas por causa de um tal powerline. Claro que, imediatamente, fiquei apreensivo sobre o que em Portugal iria acontecer. Passou-se tempo e, felizmente, mão amiga remeteu-me uma mensagem onde tudo se punha a claro e desapareciam os receios. Mas este foi um exemplo feliz entre centenas de outros infelizes, ou presumivelmente infelizes.

Alguns existem nos quais preferia não acreditar. Peguemos em um e vejamo-lo mais em pormenor.

O caso da GALP.

Circula um mail electrónico que diz textualmente o seguinte:

 

«Um quadro superior da GALP, admitido em 2002, saiu com uma indemnização de 290.000 euros, em 2004. Tinha entrado na GALP pela mão de António Mexia e saiu de lá para a REFER, quando Mexia passou a ser Ministro das O.P. e Transportes... O filho de Miguel Horta e Costa, recém licenciado, entrou para lá com 28 anos e a receber, desde logo, 6600 euros mensais. Freitas do Amaral foi consultor da empresa, entre 2003 e 2005, por 6350 euros/mês, além de gabinete e seguro de vida no valor de 70 meses de ordenado. Manuel Queiró, do PP, era administrador da área de imobiliário(?) 8.000 euros/mês. A contratação de um administrador espanhol passou por ser-lhe oferecido 15 anos de antiguidade (é o que receberá na hora da saída), pagamento da casa e do colégio dos filhos, entre outras regalias. Guido Albuquerque, cunhado de Morais Sarmento, foi sacado da ESSO para a GALP. Custo: 17 anos de antiguidade, ordenado de 17.400 euros e seguro de vida igual a 70 meses de ordenado. Ferreira do Amaral, presidente do Conselho de Administração. Um cargo não executivo(?) era remunerado de forma simbólica: três mil euros por mês, pelas presenças. Mas, pouco depois da nomeação, passou a receber PPRs no valor de 10.000 euros, o que dá um ordenado "simbólico" de 13.000 euros... Outros exemplos avulsos: Um engenheiro agrónomo que foi trabalhar para a área financeira a 10.000 euros por mês; A especialista em Finanças que foi para Marketing por 9800 euros/mês... Neste momento, o presidente da Comissão executiva ganha 30.000 euros e os vogais 17.500. Com os novos aumentos, Murteira Nabo passa de 15.000 para 20.000 euros mensais. A GALP é o que é, não por culpa destes senhores, mas sim dos amigos que ocupam, à vez, a cadeira do poder. É claro que esta atitude, emula do clássico "é fartar, vilanagem", só funciona porque existe uma inenarrável parceria GALP/Governo. Esta dupla, encarregada de "assaltar" o contribuinte português de cada vez que se dirige a uma bomba de gasolina, funciona porque metade do preço de um litro de combustível vai para a empresa e, a outra metade, para o Governo. Assim, este dream team à moda de Portugal, pode dar cobertura a um bando de sanguessugas que não têm outro mérito senão o cartão de militante. Ou o pagamento de um qualquer favor político... Antes sustentar as gasolineiras espanholas que estão no mercado do que estes vampiros! E AINDA DIZEM QUE A CRISE É CULPA DA FUNÇÃO PÚBLICA !!!»

 

Aqui têm, sem tirar nem pôr, como diz o Povo!

É evidente que esta prosa saiu do teclado de um funcionário público ou do de quem se identifica com a sua causa.

Já tenho idade e experiência de vida que me levam a admitir como provável e verdadeiro todo o conteúdo da mensagem ou, no mínimo, uma parte dele. Mas a pergunta que deixo sem resposta é:

— Será possível tanto descaramento?

É que, se for, estamos a viver um nível de corrupção superior ao do tempo do Estado Novo! Salazar permitia os, na altura, chamados «tachos», mas só até níveis moderados e só na medida em que serviam os interesses de sustentação do regime ditatorial. Ora, mal estaremos todos nós, se para manter a democracia temos de contribuir com os nossos impostos, conviver com e consentir um tal estado de coisas. O facto de vivermos num sistema de economia de mercado não pode servir de justificação para dar cobertura a qualquer espécie de tropelias que os detentores temporários do Poder político desejem levar a cabo.

Admitamos que não passa de uma calúnia o que se diz na mensagem transcrita. Nesse caso, a GALP e o Governo têm por obrigação manter um serviço de relações públicas capaz de desmentir tais atoardas aleivosas. Deixar que a dúvida se instale é alimentar uma fogueira junto de um paiol de gasolina...

03.04.06

Um Homem Livre e de Bons Costumes


Luís Alves de Fraga

                           

Era conhecido pelos Portugueses simplesmente por Carlos Fabião. Era coronel do Exército. Foi hoje acolher-se no silêncio onde os vivos já nada dizem.

Foi, nos tempos conturbados do «Processo Revolucionário em Curso» — o famoso PREC —, Chefe do Estado-Maior do Exército, chegou a ser indigitado para ocupar o cargo de primeiro ministro. Muitos julgaram-no um homem indeciso. Não era tal. Caracterizava-o a ponderação, a cautela, o desejo de acertar, a tolerância e, acima de tudo, o espírito de conciliação. Esses traços da sua personalidade levaram-no a recusar o convite que viria a ser aceite por Pinheiro de Azevedo, um destemido almirante. Deve-se-lhe a estabilização do PREC.

Coube a Carlos Fabião fazer a entrega da soberania da Guiné-Bissau ao Governo do PAIGC. É verdade que a independência já tinha sido declarada unilateralmente muito antes da madrugada de 25 de Abril de 1974. Havia que proceder à passagem pacífica e tranquila dos Poderes. De entre os militares claramente comprometidos com o MFA (Movimento das Forças Armadas) quem melhor do que ele para ser o representante de Lisboa e de Portugal na negociação dos últimos pormenores com os chefes do Partido que tinha lutado de armas na mão contra o colonialismo? Fizera duas comissões na antiga colónia, conhecia os problemas em profundidade e, acima de tudo, conhecia o Povo. Nas três colónias do continente africano não havia população mais politizada do que a da Guiné.

Terá deixado atrás de si uma só questão por solucionar: a dos guineenses que tinham servido nas Forças Armadas portuguesas contra a guerrilha. Mas esse é o problema de toda a guerra civil! Ora, na perspectiva africana, a guerrilha era, também, uma guerra civil, embora na dos colonizadores se tratasse de uma sublevação contra a autoridade legal. Todos os Africanos que, consciente ou simplesmente obrigados, serviram nas fileiras das Forças Armadas portuguesas combateram, de facto, contra os seus irmãos. Cabia a estes terem e demonstrarem a tolerância necessária para compreender a amplitude da escolha. Também cada Africano que, incorporado nas fileiras, fugisse para se juntar ao inimigo era contra ele levantado um processo pelo crime de deserção e traição. Quando é que se mostrou tolerante o Poder colonial? No silêncio da sua vida recatada, fora das ribaltas militares e políticas, muitas vezes terá, por certo, Carlos Fabião pensado neste dilema dilacerante.

Regressado da Guiné, já ia adiantado o PREC, sofreu o choque de aqui vir encontrar desavindos os militares que, unidos e em uníssono, haviam derrubado a ditadura e dado asas ao sonho do Povo. Mas o Povo estava embriagado com a pureza da Liberdade a ponto de quase a destruir por não saber que fazer com ela. Escolhido para ocupar o comando do Exército, a sua preocupação foi conciliar o que, então, já não era conciliável. Quis perceber o que se passava ao seu redor. Por certo, terá arquitectado cenários explicativos, contudo a complexidade da situação ultrapassava-o tal como a velocidade dos acontecimentos, por ser vertiginosa, era inigualável.

Com a simplicidade e modéstia da graduação em general Chefe do Estado-Maior do Exército aceitou regressar ao posto de origem. Remeteu-se ao quase silêncio. Foi um Homem livre e de bons costumes que, em cerimónias públicas, escolhia os lugares recuados para não dar nas vistas.

A pouco e pouco, vão partindo desta vida os que deram a Portugal a Liberdade.

A memória da História tarda em recordá-los, colocando-os entre aqueles que tudo deram à Pátria sem nada em troca lhe pedirem.

Um dia soará o toque da Alvorada, recordando a geração de militares de Abril, a geração dos militares que, sem peias nem rebuços, apaixonadamente amaram a Liberdade.