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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

17.02.06

Estórias (quase militares) de outro tempo


Luís Alves de Fraga

Embora não o ande a anunciar aos quatro ventos, fui educado no Instituto dos Pupilos do Exército.


Há muitos antigos alunos que julgam prestar um grande tributo à Casa que nos preparou para a vida, anunciando, antes de quase dizerem o nome, a sua condição de ex-Pupilos. Por mim, acho essa atitude exagerada. Parece-me mais importante cada um afirmar-se por aquilo que é e conseguiu alcançar na vida para, só depois, dizer-se antigo aluno daquele Estabelecimento. Fica melhor!


Muita gente confunde o Colégio Militar com os Pupilos do Exército. São instituições diferentes, embora com pontos de contacto.


O vetusto Colégio Militar «nasceu» no início do século xix enquanto os Pupilos são fruto da República. Ainda não fizeram cem anos. Lá chegarão — se chegarem — em 2011. O primeiro destinou-se, desde a sua fundação junto ao forte de S. Julião da Barra, a educar filhos de oficiais do Exército e da Marinha; o segundo foi essencialmente pensado para os filhos dos sargentos e das praças profissionais. Só excepcionalmente por lá andaram, nos tempos recuados, filhos de oficiais, quase sempre, já órfãos de pai. Outra das diferenças é que o Colégio habilitava com o curso liceal, abrindo, directamente, a porta do ensino superior; os Pupilos sempre privilegiaram o encaminhamento para a vida prática e do trabalho, assentado as suas bases no ensino técnico — comercial e industrial. Já na década de 20 do pretérito século, os bons alunos tinham a possibilidade de concluir cursos, então, chamados médios, de contabilistas ou de agentes técnicos de engenharia, dando origem aos também designados engenheiros auxiliares. Eram habilitações que permitiam ocupar, logo de imediato, escalões médio-superiores nas empresas, em níveis de responsabilidade na antecâmara da administração.


Até 1974 os Institutos que formavam este tipo de técnicos só existiam, para todo os estudantes, em Lisboa e no Porto. O Instituto dos Pupilos do Exército era o terceiro estabelecimento, mas reunia num só as duas vertentes: a comercial e a industrial. De lá saia-se, também, habilitado para ingressar, como cadete, na Escola Naval, para as classes de Administração Naval ou de Engenharia de Máquinas, ou na Escola do Exército (mais tarde, Academia Militar).


Quem concluía os cursos médios tinha um futuro promissor, na vida civil ou na castrense.


No final da 2.ª Guerra Mundial, quando entre nós se percebeu que a actividade militar já obrigava a mais elevados níveis de tecnicismo, o ministro da Defesa Nacional, o tristemente famoso Santos Costa (e sobre ele um dia escreverei apontamento onde se tracem os limites da sua personalidade política), resolveu — e bem — que se impunha um mais elevado grau de preparação para os sargentos do Exército e da Armada. O tempo dos lateiros e do pé de café tinha de ser ultrapassado. Mas, verdade seja, raro era o jovem habilitado com o curso industrial (equivalente, na vertente técnica, ao actual 9.º ano) que desejava seguir a vida militar como sargento. O mercado laboral era bem mais aliciante, por melhor remunerado e por maior quantidade de oportunidades para quem quisesse afirmar-se pela qualidade. Deste modo, com a adesão de Portugal à OTAN, impôs-se a reforma do Instituto dos Pupilos do Exército.


Santos Costa propôs, e foi aceite, que acabassem os cursos médios de indústria de modo aos alunos não terem acesso à condição de engenheiros auxiliares. Como contrapartida, passavam a, depois de concluído o curso geral de indústria, ingressar de imediato no Exército com o posto de 2.º sargento do quadro permanente. O mesmo não aconteceu ao curso de contabilistas por ser, na altura, a grande fonte de recrutamento de oficiais do Serviço de Administração Militar e da classe de Administração Naval. Eram assim as decisões no tempo do fascismo português!


A partir do final da década de 40 do século passado, todos os alunos dos Pupilos do Exército, ao entrarem no Instituto, tinham uma espada (que poderia ser de Dâmocles, caso não fosse muito dispendiosa) sobre as suas cabeças: se a média escolar dos 5.º e 6.º anos fosse igual ou superior a 12 valores poderiam ter entrada no curso geral de comércio, restando-lhes assim uma oportunidade de virem a concluir o curso de contabilistas; caso fosse inferior, estavam irremediavelmente destinados a serem sargentos do Exército. Mesmo ingressando no curso geral de comércio era necessário conclui-lo (9.º ano) com média igual ou superior a 12 valores e ter 17 anos ou menos de idade, porque, no caso destas condições não se verificarem no fim do curso, ingressavam no Exército com o posto de furriel de Administração Militar. Mas, para coroar todo este conjunto de «boas» regras, vinha o toque fascista do sistema: se o aluno fosse filho de oficial só se lhe impunha satisfazer à condição da idade, porque podia ingressar no curso médio de contabilistas com qualquer média. Filhos de oficiais são sempre inteligentes, claro!


Quem quiser estabelecer analogias entre diplomas legais do tempo do Estado Novo e da actualidade, tem aqui um exemplo bem significativo de que, mesmo em democracia, se podem manifestar traços de mentalidade fascista — quem manda tem saudades da arrogância de outrora e quem obedece ainda não se soube libertar da «canga do paciente silêncio»!

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